26 agosto 2024

Jesus Cristo: Missão, Humilhação e Exaltação

Estudo proferido na Igreja Presbiteriana do Ibura, em Recife/PE. 

ESTUDOS NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER 
Capítulo VIII. De Cristo, o Mediador 


Na seção IV do capítulo 8, temos o seguinte:
Seção IV. Este ofício o Senhor Jesus empreendeu mui voluntariamente. Para que pudesse exercê-lo, foi feito sujeito à lei, que ele cumpriu perfeitamente; padeceu imediatamente em sua alma os mais cruéis tormentos e em seu corpo os mais penosos sofrimentos; foi crucificado e morreu; foi sepultado e ficou sob o poder da morte, mas não viu a corrupção; ao terceiro dia ressuscitou dos mortos com o mesmo corpo com que tinha padecido; com esse corpo subiu ao céu, onde está sentado à destra do Pai, fazendo intercessão; de lá voltará no fim do mundo para julgar os homens e os anjos.
A Confissão de Fé de Westminster, em sua seção sobre Cristo, o Mediador, afirma que "Este ofício o Senhor Jesus empreendeu mui voluntariamente". Essa declaração fundamental nos leva a examinar a disposição de Cristo em se humilhar e sofrer para cumprir a vontade do Pai e realizar a salvação da humanidade. Através de sua obediência perfeita à lei, seu sofrimento vicário e sua ressurreição triunfante, Cristo se torna o único Mediador entre Deus e os homens.

A Vontade e Submissão de Cristo

A Escritura é clara ao afirmar que Cristo, embora fosse Deus, assumiu voluntariamente o papel de Mediador. Essa escolha voluntária é central para a obra da redenção, pois demonstra o amor e a misericórdia de Deus para com a humanidade caída. Hebreus 2:12-17 destaca que Cristo, "igualmente, participou" da carne e sangue para se identificar com os filhos de Abraão e socorrê-los.

A Confissão de Fé de Westminster cita o Salmo 40:7,8 para ilustrar a disposição de Cristo: "Então, disse eu: Eis-me aqui (nos rolos do livro está escrito a meu respeito), para fazer a tua vontade, ó Deus meu, me é prazer". Essa passagem revela a profunda submissão de Cristo à vontade do Pai, encontrando satisfação em cumpri-la.

É importante notar que essa submissão não implica em inferioridade ou coação. A Bíblia afirma que Cristo tinha poder para entregar sua vida e poder para reavê-la, demonstrando sua soberania mesmo em meio à humilhação (João 10:17,18).

A Humilhação de Cristo: Obediência e Sofrimento

A Confissão de Fé de Westminster detalha a humilhação de Cristo em seu ofício de Mediador. Para cumprir a vontade do Pai, Cristo se submeteu à lei, "que ele cumpriu perfeitamente" (Mateus 3:15; 5:17). Essa obediência perfeita era necessária para que Cristo pudesse ser o sacrifício perfeito pelos pecados da humanidade.

Além da obediência à lei, Cristo também suportou "os mais cruéis tormentos... em sua alma" (Mateus 26:37,38; Lucas 2:24; Mateus 27:46). Essa angústia profunda revela a gravidade do pecado e o peso da ira de Deus que Cristo carregou em nosso lugar. Hebreus 4:14-16 nos assegura que, por ter sido tentado em todas as coisas como nós, Cristo pode se compadecer de nossas fraquezas e nos socorrer em nossas necessidades.

O sofrimento de Cristo culminou na cruz, onde experimentou o abandono do Pai e a plena medida da ira divina contra o pecado. Gálatas 3:13,14 afirma que Cristo "nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar". Dessa forma, Cristo se torna o bode expiatório que leva sobre si os pecados do povo, sendo expulso do arraial para que tenhamos acesso à presença de Deus.

A Glorificação de Cristo: Ressurreição, Ascensão e Intercessão

A humilhação de Cristo, porém, não foi o fim. As Escrituras profetizaram e testemunharam sua glorificação, que se inicia com a ressurreição dos mortos ao terceiro dia (1 Coríntios 15). A ressurreição é a prova irrefutável da vitória de Cristo sobre a morte e o pecado, a validação do seu sacrifício expiatório e a garantia da nossa própria ressurreição.

Após sua ressurreição, Cristo ascendeu ao céu, onde está assentado à direita de Deus Pai. Essa exaltação demonstra a soberania e o senhorio de Cristo sobre toda a criação. Filipenses 2:9-11 declara que "Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho".

A posição de Cristo à direita do Pai não é apenas de glória, mas também de intercessão. Hebreus 7:25 nos assegura que Cristo "vive sempre para interceder por nós". Como nosso Sumo Sacerdote, Cristo apresenta nossos pedidos a Deus Pai, garantindo que nossas orações sejam ouvidas e atendidas. João 17 registra a profunda intercessão de Cristo por seus discípulos, pedindo ao Pai que os guarde, os santifique e os una em amor.

A Segunda Vinda de Cristo: Julgamento e Consumação

A história da redenção, porém, não termina com a ascensão de Cristo. As Escrituras apontam para a sua segunda vinda, um evento futuro e glorioso. Atos 1:11 afirma que Cristo "virá do modo como o vistes subir". Essa segunda vinda marcará o fim da história como a conhecemos e inaugurará o novo céu e a nova terra.

A segunda vinda de Cristo será marcada por julgamento. Hebreus 9:27 declara que "está reservado aos homens morrerem uma só vez, vindo, depois disso, o juízo". Apocalipse 20:11-15 descreve o juízo final, no qual todos os povos serão julgados segundo suas obras.

A segunda vinda de Cristo também será a consumação do Reino de Deus, quando Cristo "entregará o reino a Deus, ao Pai" (1 Coríntios 15:24). Então, Deus reinará para sempre sobre um novo céu e uma nova terra, onde não haverá mais morte, tristeza, choro ou dor (Apocalipse 21:4).

Conclusão: A Centralidade de Cristo e a Urgência do Evangelho

A vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo são o centro da fé cristã. Sua obra como Mediador é o único caminho para a salvação e a reconciliação com Deus. Romanos 10:9 declara que "se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo".

Diante da certeza da segunda vinda de Cristo, somos chamados a viver em constante expectativa e prontidão. Mateus 24:44 nos adverte: “Por isso, ficai também vós apercebidos; porque, à hora em que não cuidais, o Filho do Homem virá”. Que possamos, então, viver cada dia à luz da graça de Deus revelada em Cristo, compartilhando o evangelho com ousadia e aguardando ansiosamente o retorno do nosso Rei.


22 agosto 2024

A Circuncisão e o Batismo: Uma Relação Pactual

A relação entre a circuncisão, rito prescrito no Antigo Testamento, e o batismo, sacramento instituído no Novo Testamento, tem sido objeto de extensos debates teológicos ao longo da história da Igreja. Uma análise cuidadosa das Escrituras, à luz da continuidade da aliança de Deus com seu povo, revela a profunda conexão entre esses dois sinais, ambos apontando para a inclusão na comunidade da fé e para a realidade espiritual da regeneração

A Circuncisão como Sinal da Aliança Abraâmica 

A circuncisão foi instituída por Deus como sinal da aliança estabelecida com Abraão e sua descendência (Gênesis 17:9-14). Esse rito visível selava a promessa de Deus de ser o Deus de Abraão e de seus descendentes, outorgando-lhes as bênçãos da aliança, como a terra prometida e a filiação divina. A circuncisão, realizada no oitavo dia de vida do menino, marcava a entrada na comunidade da aliança, conferindo-lhe os privilégios e responsabilidades inerentes a essa relação especial com Deus. Em Romanos 4:9-12 Paulo discute a circuncisão como "selo da justiça da fé" que Abraão já possuía antes de ser circuncidado, demonstrando que a fé era o elemento essencial desta aliança. 

É crucial observar que a circuncisão, embora realizada em crianças, não era um ato mágico que conferia automaticamente a salvação. A circuncisão simbolizava a necessidade de purificação interior e apontava para a promessa de um descendente de Abraão que traria salvação a todas as nações (Gálatas 3:16). 

O Batismo como Sinal da Nova Aliança 

Com a vinda de Jesus Cristo, a aliança de Deus com seu povo assume uma nova dimensão. A Nova Aliança, prometida pelos profetas (Jeremias 31:31-34), encontra seu cumprimento em Cristo, que, por meio de seu sacrifício expiatório, torna possível a plena comunhão com Deus. O batismo, instituído por Jesus (Mateus 28:19), torna-se o sinal distintivo desta Nova Aliança, substituindo a circuncisão como rito de iniciação na comunidade da fé (Colossenses 2:11,12). 

Assim como a circuncisão, o batismo não confere automaticamente a salvação, mas simboliza a purificação do pecado (Tito 3:5) e a entrada na comunidade da fé, com todas as suas promessas e responsabilidades. No entanto, o batismo na Nova Aliança não se limita a um povo específico por descendência física, mas se estende a todas as nações (Mateus 28:19), judeus e gentios que, pela fé em Cristo, são feitos filhos de Abraão e herdeiros das promessas (Gálatas 3:28,29). 

O Novo Testamento relata diversos casos de batismo de famílias inteiras, como a de Cornélio (Atos 10:48), Lídia (Atos 16:15) e o carcereiro de Filipos (Atos 16:33). Paulo relata em 1 Coríntios 1:16 que batizou toda a família de Estéfanas. Saber disso é importante pois é improvável que não houvesse crianças nessas famílias, o que indicaria a prática do batismo infantil. 

Essa linguagem “batismo de famílias inteiras” sugere que a estrutura familiar era significativa e que as famílias poderiam ter incluído mais do que apenas pais e filhos. É sabido que, na cultura judaica do Antigo Testamento, ter filhos era considerado uma bênção e uma parte importante da vida familiar. A infertilidade era vista como uma maldição. A circuncisão, realizada no oitavo dia de vida do menino (Gênesis 17:12), indicava que a presença de crianças era esperada e que elas eram integradas à comunidade da aliança desde muito cedo. 

A Posição da Igreja ao longo da História 

A prática do batismo infantil tem sido majoritária ao longo da história da Igreja. Desde os primeiros séculos, Pais da Igreja como Justino Mártir, Irineu e Orígenes atestam a prática como sendo de origem apostólica. 

Orígenes, por exemplo, afirmou: "A Igreja recebeu a tradição de batizar crianças dos apóstolos". Ele também faz a seguinte declaração no seu comentário sobre a Carta aos Romanos: “Era por esta razão que a Igreja tinha dos apóstolos a tradição (ou ordem) para administrar o batismo às criancinhas” (Wall, vol. I, p. 104,106). A menção ao batismo de famílias inteiras no livro de Atos (Atos 10:48; 16:15, 33), sem excluir explicitamente as crianças, também sustenta essa visão. 

Justino Mártir (100-165), um apologista cristão, é citado como alguém que "escrevendo cerca do ano 150, faz referências a pessoas de sessenta e setenta anos que tinham sido batizadas na infância." Essa referência sugere que Justino Mártir considerava o batismo infantil uma prática estabelecida na época. 

Irineu, bispo de Lyon, em sua obra "Cinco Livros contra as Heresias", teria escrito que Cristo "veio para salvar todas as pessoas por si mesmo; todas, digo eu, que por ele renascem para Deus (renascuntur in Deum); infantes, crianças, jovens e pessoas idosas". Essa citação sugere que Irineu via os infantes e crianças como parte daqueles que renascem em Cristo, o que pode ser interpretado como um indício de apoio ao batismo infantil. 

O Concílio de Cartago (252 d.C.) chegou a discutir qual a idade adequada para o batismo infantil, porém não questionou a prática em si, indicando que já era amplamente aceita. 

A prática do batismo infantil começou a ser desafiada de forma mais contundente somente a partir do século XVI, com a Reforma Protestante. O batismo infantil passou a ser contestado por grupos como os Anabatistas, que defendiam o batismo apenas de adultos como expressão de uma fé consciente. Essa divergência se mantém até os dias atuais, com vertentes protestantes como Batistas e Pentecostais rejeitando o batismo infantil, enquanto outras, como Presbiterianos, Luteranos e Anglicanos, o mantém como prática tradicional. 

É importante observar que a Confissão de Fé de Westminster, um dos documentos confessionais mais importantes do protestantismo reformado, defende a inclusão de "filhos de pais crentes" no batismo, reconhecendo-os como participantes da aliança (CFW, 28,iv). 

Conclusão 

A relação entre circuncisão e batismo é profunda e reveladora da continuidade do plano redentor de Deus. Ambos os ritos, embora distintos em sua forma, apontam para a mesma realidade: a inclusão na aliança de Deus e a necessidade de purificação do pecado. 

A prática do batismo infantil, embora contestada por alguns grupos cristãos, encontra forte respaldo nas Escrituras, na história da Igreja Primitiva e nos documentos confessionais de diversas denominações protestantes. A inclusão de crianças na comunidade da fé, por meio do batismo, reflete a graça abrangente de Deus, que se estende aos pequeninos e cumpre suas promessas de geração em geração. 


18 agosto 2024

Jesus Cristo e Seu preparo para o Ofício de Mediador

Estudo proferido na Escola Bíblica Dominical na Igreja Presbiteriana do Ibura, em Recife/PE. 

ESTUDOS NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER 
Capítulo VIII. De Cristo, o Mediador 


Na seção III do capítulo 8, temos o seguinte:
Seção III. O Senhor Jesus, em sua natureza humana unida à divina, foi santificado e sem medida ungido com o Espírito Santo tendo em si todos os tesouros de sabedoria e ciência. Aprouve ao Pai que nele habitasse toda a plenitude, a fim de que, sendo santo, inocente, incontaminado e cheio de graça e verdade, estivesse perfeitamente preparado para exercer o ofício de Mediador e Fiador. Este ofício ele não tomou para si, mas para ele foi chamado pelo Pai, que lhe pôs nas mãos todo o poder e todo o juízo e lhe ordenou que os exercesse.

A Natureza Humana de Cristo Equipada para a Obra Mediadora

As Escrituras ensinam que Jesus Cristo, em sua natureza humana unida à divina, foi santificado e ungido com o Espírito Santo sem medida (Salmos 45:5; João 3:34). Isso significa que Ele recebeu a plenitude do Espírito Santo, não de forma limitada como os profetas e reis do Antigo Testamento (João 3.34; Lucas 4.18). Essa unção era necessária porque, embora Cristo fosse plenamente Deus, Ele também era plenamente homem (João 14:10; Hebreus 2:14-18). Como homem, Ele precisava do poder capacitador do Espírito Santo para cumprir a obra da redenção (Mateus 3:16-17; Marcos 1:10-11; Lucas 3:21-22; João 5:19-30).

É importante observar que Cristo não precisava do Espírito Santo para a salvação pessoal, pois Ele era sem pecado (Hebreus 7:24-26). No entanto, para realizar a obra que o Pai lhe havia designado, a saber, a obra da redenção, Ele dependia totalmente do Espírito Santo (Atos 10:37,38; João 8.28).

A unção do Espírito Santo em Cristo se manifestava de diversas maneiras:
  • Sabedoria e Conhecimento: Colossenses 2:3 afirma que em Cristo estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento.
  • Poder para Realizar Milagres e Curar: Atos 10:38 relata que Jesus foi ungido com o Espírito Santo e poder para fazer o bem e curar os oprimidos do diabo.
  • Obediência Perfeita: A vida de Cristo foi marcada por uma obediência perfeita à vontade do Pai, evidenciando a obra do Espírito Santo em Sua vida (João 4:34; 5:30).
A Necessidade da Natureza Divina de Cristo

Embora a unção do Espírito Santo fosse essencial para capacitar a natureza humana de Cristo, é crucial destacar que a Sua natureza divina também era indispensável para a obra da redenção.

  • Sofrimento Vicário: Somente alguém que fosse infinito em sua capacidade de sofrimento poderia suportar a ira de Deus pelos pecados do mundo. A natureza divina de Cristo tornou isso possível (Isaías 53:5).
  • Autoridade sobre a Morte: Jesus afirmou ter o poder para dar a sua vida e retomá-la (João 10:17). Essa autoridade sobre a morte só poderia pertencer a alguém que fosse mais do que um mero homem.
  • Acesso Eficaz a Deus: Como nosso mediador, Cristo precisava ter acesso garantido a Deus em nosso favor. Sua natureza divina lhe concedeu essa posição privilegiada (Hebreus 4:14-16; Hebreus 7:25; Romanos 8:34; 1 João 2:1).
O Chamado Divino e a Autoridade de Cristo

O ofício de Mediador e Fiador não foi algo que Cristo tomou para si, mas foi chamado pelo Pai para exercê-lo. Hebreus 5:4-5 afirma que ninguém toma para si essa honra, mas deve ser chamado por Deus, assim como Arão foi chamado para o sacerdócio.

O Pai, ao chamar Cristo para essa missão, investiu-o com toda a autoridade e poder necessários para realizá-la:
  • Todo Poder e Juízo: João 5:22,27 declara que o Pai confiou todo o julgamento ao Filho. Mateus 28:18 acrescenta que toda a autoridade no céu e na terra foi dada a Cristo.
  • Senhor e Cristo: Atos 2:36 proclama que Deus exaltou Jesus como Senhor e Cristo.
Conclusão

Em suma, a unção do Espírito Santo foi fundamental para capacitar a natureza humana de Cristo para a obra da redenção. No entanto, essa unção não substitui a necessidade da Sua natureza divina. Foi a união perfeita dessas duas naturezas em uma só pessoa que tornou Cristo o único mediador qualificado e suficiente entre Deus e os homens.


12 agosto 2024

Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem

Estudo proferido na Escola Bíblica Dominical na Igreja Presbiteriana do Ibura, em Recife/PE. 

ESTUDOS NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER 
Capítulo VIII. De Cristo, o Mediador 


Na seção II do capítulo 8, temos o seguinte:
Seção II. O Filho de Deus, a Segunda Pessoa da Trindade, sendo verdadeiro e eterno Deus, da mesma substância do Pai e igual a ele, quando chegou o cumprimento do tempo, tomou sobre si a natureza humana com todas as suas propriedades essenciais e enfermidades comuns, contudo sem pecado, sendo concebido pelo poder do Espírito Santo no ventre da Virgem Maria e da substância dela. As duas naturezas, inteiras, perfeitas e distintas - a Divindade e a humanidade - foram inseparavelmente unidas em uma só pessoa, sem conversão, composição ou confusão; essa pessoa é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, porém, um só Cristo, o único Mediador entre Deus e o homem.
O cerne da fé cristã reside na pessoa de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, que transcende os limites da compreensão humana em virtude de sua natureza dual. A doutrina da União Hipostática, pilar fundamental da cristologia, postula a coexistência indissolúvel das naturezas divina e humana em Cristo, sem confusão, divisão ou alteração. Essa concepção teológica, ao longo dos séculos, tem suscitado intensos debates e controvérsias, desafiando a racionalidade humana a apreender o mistério da encarnação e a reconciliar a divindade e a humanidade em uma única pessoa.

A Necessidade da Humanidade de Cristo

A Bíblia deixa claro que Jesus, a segunda pessoa da Trindade, assumiu a natureza humana em um ato de auto-humilhação e amor sacrificial (João 1:14; Filipenses 2:5-8; Romanos 5:8; João 3:16; Mateus 20:28). Essa encarnação era essencial para a obra redentora de Cristo, pois somente um homem poderia sofrer a penalidade do pecado em lugar da humanidade (Hebreus 9:27). Hebreus 2:14-17 afirma que Ele "participou" da carne e sangue, tornando-se semelhante aos seus "irmãos" em todos os aspectos, exceto no pecado.

A humanidade de Cristo se manifesta em:

  • Nascimento de uma mulher: A concepção de Jesus no ventre da virgem Maria pelo poder do Espírito Santo demonstra sua entrada real na história humana como um de nós (Mateus 1:18; Lucas 1:35; João 1:14).
  • Corpo físico: As Escrituras descrevem Jesus com um corpo real, sujeito a necessidades e fragilidades humanas como fome, sede, cansaço e dor (João 4:6-8; Lucas 24:41-43; Hebreus 2:17; Marcos 15:34). Ele suou, chorou, sentiu fome e experimentou a morte física na cruz (Lucas 22:44; João 11:35; Marcos 15:37; Atos 2:24).
  • Alma humana: Jesus possuía uma alma humana, comprovada por suas emoções, intelecto e desenvolvimento moral. Ele "crescia em sabedoria" (Lucas 2:46-52; Mateus 7:28-29) e experimentou profunda tristeza e angústia (Marcos 14:33).
  • Limitações humanas: Apesar de ser Deus, Jesus, em sua natureza humana, se submeteu às limitações do tempo e espaço. Ele não estava presente em todos os lugares ao mesmo tempo, como afirma a doutrina da onipresença divina (Marcos 6:31).
É crucial reconhecer a plena humanidade de Cristo para entender o alcance de seu sacrifício. Ele se esvaziou de sua glória divina, tomando a forma de servo e se tornando obediente até a morte (Filipenses 2:6-8; João 1:14).

A Realidade da Divindade de Cristo

As Escrituras testificam com igual ênfase que Jesus Cristo é plenamente Deus, coexistindo eternamente com o Pai e o Espírito Santo em perfeita unidade e igualdade. Diversas evidências bíblicas apontam para sua divindade:

  • Títulos divinos: A Bíblia atribui a Jesus nomes e títulos reservados exclusivamente a Deus, como "Deus" (João 1:1; Romanos 9:5), "Senhor" (Filipenses 2:9-11; Colossenses 1:19), "Verbo" (João 1:1-3) e "Eu Sou" (João 8:58).
  • Atributos divinos: A Bíblia aplica a Jesus atributos exclusivos de Deus, como eternidade (Miquéias 5:2; Hebreus 1:8), onisciência (João 2:25; Apocalipse 2:23), onipresença (Mateus 28:20; João 3:13) e onipotência (Filipenses 4:13; Colossenses 1:16).
  • Obras divinas: Jesus realizou obras que somente Deus pode realizar, como a criação do universo (João 1:3; Colossenses 1:16), a sustentação de todas as coisas (Hebreus 1:3) e a ressurreição dos mortos (João 5:21,25).
  • Adoração divina: A Bíblia ordena e relata a adoração a Jesus Cristo como Deus. Anjos e homens o adoram (Hebreus 1:6; Lucas 24:52), e o batismo é realizado em seu nome, juntamente com o Pai e o Espírito Santo (Mateus 28:19).
A divindade de Cristo é confirmada por sua própria consciência e reivindicações. Ele se autodeclarou igual a Deus (João 5:17), afirmou existir antes de Abraão (João 8:58) e perdoou pecados, uma prerrogativa divina (Marcos 2:1-12).

Negar a divindade de Cristo é reduzir sua pessoa a um mero homem, invalidando seu sacrifício expiatório e minando o fundamento da fé cristã. Se Jesus não fosse Deus, ele não teria poder para perdoar pecados, vencer a morte e conceder a vida eterna.

A União Incompreensível: Duas Naturezas em Uma Pessoa

A união hipostática, a união das naturezas divina e humana em uma única pessoa, está além da capacidade humana de compreensão plena. As Escrituras afirmam essa união sem tentar explicá-la em termos filosóficos. No entanto, a Bíblia oferece vislumbres que iluminam essa doutrina profunda:

  • Unidade: As duas naturezas de Cristo coexistem em perfeita harmonia e unidade, sem mistura, confusão, separação ou divisão.
  • Distinção: As naturezas divina e humana, embora unidas em Cristo, mantêm suas propriedades distintas. A divindade não se torna humana nem a humanidade divina.
  • Integração: As duas naturezas operam em perfeita harmonia na pessoa de Cristo. Atributos e ações podem ser atribuídos a sua pessoa, independentemente de se originarem em sua natureza divina ou humana. Por exemplo, (1) Jesus realizando milagres: Ao curar os enfermos, ressuscitar os mortos e controlar os elementos da natureza, Jesus demonstrava seu poder divino, mas ao mesmo tempo expressava sua compaixão humana. (2) Jesus sofrendo: Ao ser tentado, sentir fome, sede e fadiga, Jesus experienciou as mesmas limitações que nós, demonstrando sua plena humanidade. (3) Jesus perdoando pecados: Ao perdoar os pecados, Jesus exercia seu poder divino de autoridade sobre o pecado, mas ao mesmo tempo demonstrava sua misericórdia e graça.
A união hipostática é um mistério revelado por Deus e recebido pela fé. Embora desafie a compreensão humana, essa doutrina é a base para a salvação. Somente um Salvador que é plenamente Deus e plenamente homem pode ser o mediador perfeito entre Deus e a humanidade, satisfazendo as demandas da justiça divina e, ao mesmo tempo, se compadecer de nossas fraquezas.

A Doutrina das duas naturezas de Cristo ao longo da história

A igreja cristã enfrentou muitos desafios à doutrina da divindade de Cristo ao longo de sua história, particularmente nos séculos IV e V. Esses desafios, frequentemente chamados de heresias, forçaram a igreja a definir mais claramente suas crenças e convocar concílios para resolver disputas doutrinárias e condenar os ensinamentos heréticos.

Aqui estão alguns exemplos importantes:

  • Docetismo: Essa heresia, prevalente nos primeiros séculos da igreja, negava a verdadeira humanidade de Cristo, afirmando que ele apenas parecia ter um corpo físico. A igreja primitiva rejeitou fortemente o docetismo, enfatizando a realidade da encarnação de Cristo e a importância de sua humanidade para a salvação. O apóstolo João, por exemplo, argumentou que negar que Jesus realmente se manifestou na carne era uma marca do anticristo (1 João 4:2,3).
  • Arianismo: Surgindo no século IV, o arianismo, liderado por Ário, ensinava que Jesus era um ser criado, embora exaltado, e não eterno e igual a Deus, o Pai. O Concílio de Nicéia, em 325 d.C., foi convocado especificamente para lidar com essa heresia. O concílio rejeitou o arianismo, afirmando que Jesus é "gerado, não criado" e "da mesma substância (homoousios) do Pai". Essa declaração enfatizou a plena divindade de Cristo e sua igualdade com o Pai (ver João 1:1; Hebreus 1:3; Filipenses 2:6; Colossenses 1:15-17; João 14:9).
  • Monofisismo: Essa heresia, surgindo no século V, afirmava que Jesus tinha apenas uma natureza, uma mistura divina e humana, em vez de duas naturezas distintas (divina e humana) unidas em uma pessoa. O Concílio de Calcedônia, em 451 d.C., condenou o monofisismo, afirmando que Jesus Cristo é "perfeitamente Deus e perfeitamente homem" em duas naturezas "sem mistura, confusão, separação ou divisão".
Além dessas grandes heresias, a igreja lidou com outras variações de crenças sobre a natureza de Cristo:

  • Apolinarismo: Essa heresia negava a plena humanidade de Cristo ao afirmar que ele não possuía uma alma humana, mas que o Logos divino (a Palavra) tomava o lugar de sua alma. A igreja rejeitou essa visão, afirmando que Cristo tinha tanto um corpo quanto uma alma humana, além de sua natureza divina.
  • Nestorianismo: Contrário ao monofisismo, o nestorianismo enfatizava demais a distinção entre as naturezas divina e humana de Cristo, sugerindo que ele era duas pessoas distintas. A igreja rejeitou essa visão, afirmando a unidade da pessoa de Cristo, enquanto mantinha a distinção de suas duas naturezas.
Esses debates e as definições doutrinárias resultantes moldaram profundamente a teologia cristã e continuam sendo tópicos importantes de discussão e estudo teológico hoje.

Considerações e Conclusões

A doutrina da união hipostática nos convida a contemplar o amor incomensurável de Deus, que enviou seu Filho ao mundo na semelhança da carne pecaminosa para nos reconciliar consigo mesmo.

Em Cristo, encontramos a expressão máxima da graça e da verdade. Ele é o único caminho para o Pai, o único nome dado entre os homens pelo qual podemos ser salvos (ver João 14:6; Atos 4:10-12; Romanos 5:8). Que a contemplação da pessoa de Cristo, Deus encarnado, gere em nós profunda gratidão, adoração e um desejo insaciável de conhecê-lo mais e viver para a sua glória.