19 fevereiro 2024

Por que eu sou Cessacionista?

Thomas Schreiner 

Não estou escrevendo sobre esse assunto por ter a resposta final a cerca dos dons espirituais, uma vez que a matéria é difícil e mesmo cristãos que amam a Deus e a Bíblia têm diferentes posições sobre o assunto. Os leitores devem saber que Sam Storms e eu somos amigos. Nós nos amamos, mesmo discordando em uma questão que é secundária ou terciária, e ao mesmo tempo defendemos a importância da verdade. Ao longo dos anos eu me convenci de que alguns dos chamados dons carismáticos não são mais dados à igreja e já não fazem mais parte da vida regular da igreja. Estou falando particularmente dos dons de apostolado, profecia, línguas, cura e milagres (e talvez de discernimento de espíritos).

Por que alguém pensaria que alguns dos dons cessaram? Meu argumento é de que tal entendimento se encaixa melhor com a Escritura e com a experiência. A Escritura tem prioridade sobre a experiência, pois ela é a autoridade final, mas a Escritura também deve se correlacionar com a vida, e as nossas experiências devem nos levar a refletir se nós lemos a Bíblia corretamente. Nenhum de nós lê a Bíblia em um vácuo, e, portanto, precisamos voltar para as Escrituras repetidamente para garantir que as lemos fielmente.

Fundação dos Apóstolos e dos Profetas

Paulo diz que a igreja foi “edificada sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas” (Ef. 2:20). Concluo que tudo o que precisamos saber para a salvação e santificação nos foi dado através do ensinamento dos apóstolos e dos profetas, e que este ensinamento é agora encontrado nas Escrituras. Uma vez que Deus tem falado nos últimos dias através de seu Filho (Hb. 1:2), nós não precisamos que ele nos envie outras palavras para explicar o que Jesus Cristo realizou em seu ministério, morte e ressurreição. Em vez disso, devemos batalhar “pela fé uma vez por todas confiada aos santos” através dos apóstolos e profetas (Judas 3).

Em outras palavras, nós não temos mais apóstolos como Paulo, Pedro e João. Eles nos deram o ensinamento autoritativo, no qual a Igreja ainda vive, e que é o único ensinamento que precisaremos até que Jesus volte. Sabemos que novos apóstolos não aparecerão uma vez que Paulo disse especificamente ter sido o último apóstolo (1 Co. 15:8). Tiago, irmão de João, não foi substituído após sua morte (At. 12:2). O termo Apóstolos, em seu sentido técnico, é restrito àqueles que viram o Senhor ressuscitado e que foram comissionados por ele. Ninguém desde os tempos apostólicos se encaixa em tais critérios. Os apóstolos foram designados exclusivamente para os primeiros dias da Igreja para estabelecer a doutrina ortodoxa. Não há nada, então, que nos permita dizer que ainda existam apóstolos. Na verdade, se alguém afirma ser um apóstolo hoje, devemos nos preocupar. Tal afirmação abre a porta para falsos ensinos e abusos de autoridade.

Se o dom do apostolado acabou, então outros dons podem ter cessado também, uma vez que o fundamento foi lançado pelos apóstolos e pelos profetas (Ef. 2:20). Concluo a partir deste ponto que o dom de profecia também cessou, pois os profetas aqui identificados são do mesmo tipo daqueles mencionados em outros lugares nas Escrituras (cf. 1 Co. 12:28; Ef. 3:5; 4:11). As igrejas primitivas não tiveram o cânon das Escrituras completo por algum tempo, e, portanto, um ministério profético autoritativo e infalível se fez necessário para o estabelecimento das bases da igreja nos primeiros dias.

O argumento bíblico mais significativo contra o que eu estou propondo é a alegação de que no Novo Testamento (NT) a profecia é diferente da profecia do Antigo Testamento (AT), pois alguns dizem que no AT a profecia é impecável enquanto que no NT ela se mistura com o erro. Mas a ideia de que os profetas do NT poderiam cometer erros não é convincente por várias razões. 1.) O ônus da prova recai sobre aqueles que dizem que a profecia no NT é de natureza diferente da profecia no AT. Os profetas do AT só eram considerados profetas de Deus se eles fossem infalíveis (Dt 18:15-22). Podemos afirmar mais ou menos o mesmo no NT. 2.) A admoestação para julgar as profecias no lugar dos profetas (1 Co. 14:29-32; 1 Ts. 5:19-20) é frequentemente apresentada como prova de que o dom de profecia é diferente no NT. Mas este argumento não é convincente porque a única maneira de se julgar profetas em ambos os Testamentos é por meio de suas profecias. Nós só podemos saber se um profeta não é de Deus, se as suas profecias são falsas ou se suas palavras contradizem o ensino bíblico. 3.) Nós não temos nenhum exemplo de um profeta do NT que errou. Ágabo não errou quando profetizou que Paul seria preso pelos judeus e entregue aos romanos (At. 21:10-11). Aqueles que dizem que ele errou exigem mais precisão do que as profecias oferecem. Além disso, depois que Paulo foi preso ele apelou para as palavras de Ágabo, dizendo ter sido entregue aos romanos pelos judeus (At. 28:17), o que demonstra que ele não achava que Ágabo cometeu algum erro. Ágabo anunciou as palavras do Espírito Santo (At. 11:28; 21:11), então não temos nenhum exemplo no NT de profetas cujas profecias foram misturadas ao erro.

Alguns protestam dizendo que a minha compreensão é imprecisa uma vez que havia centenas e milhares de profecias nos tempos do NT que não foram canonizadas. Esta objeção não convence pois o mesmo é verdade para o AT. A maioria das profecias de Elias ou de Eliseu nunca foram escritas ou canonizadas. Podemos pensar também nos 100 profetas poupados por Obadias (1 Rs. 18:04). Aparentemente nenhuma das suas profecias foi canonizada. No entanto, as profecias eram completamente verdadeiras e sem erro algum. De outro modo eles não teriam sido profetas (Dt. 18:15-22). O mesmo princípio se aplica para as profecias dos profetas do NT. Suas palavras não foram registradas, mas se eles foram realmente profetas, suas palavras eram infalíveis.

O que algumas pessoas atualmente chamam de “profecias” são na verdade impressões de Deus. Ele pode usar impressões para nos orientar e nos conduzir, mas elas não são infalíveis e devem ser sempre testadas à luz das Escrituras. Também devemos consultar conselheiros sábios antes de agirmos baseados nessas impressões. Eu amo meus irmãos e irmãs carismáticos, mas o que eles hoje chamam de “profecia” não é na verdade o dom de profecia bíblico. Impressões dadas por Deus não são a mesma coisa que profecias.

O Que Falar Sobre Línguas?

O dom de línguas é uma questão ainda mais difícil. Em Atos (2:1-4; 10:44-48; 19:1-7) esse dom é símbolo da chegada da era do cumprimento em que as promessas da aliança de Deus seriam realizadas. I Coríntios 14:1-5 e Atos 2:17-18 também sugerem que as línguas, quando interpretadas (ou compreendidas), são equivalentes à profecia. Parece, então, que os dons de profecia e de línguas estão intimamente relacionados. Se a profecia já cessou, então é provável que as línguas também tenham cessado. Além disso, é evidente a partir de Atos que o dom envolve o falar em línguas estrangeiras (Atos 2), e Pedro enfatiza, no caso de Cornélio e seus amigos, que os gentios receberam o mesmo dom que os judeus (At. 11:16-17).

Também não é convincente dizer que o dom citado em 1 Coríntios 12-14 é de natureza diferente (i.e. expressões de êxtase). A palavra “línguas” (glōssē) denota um código linguístico, uma linguagem estruturada, e não vocalização aleatória e livre. Quando Paulo diz que ninguém entende aqueles que falam em línguas, porque eles proferem mistérios (1 Co. 14:2), ele não está sugerindo que o dom é diferente daquele que encontramos em Atos. Aqueles que ouviram as línguas em Atos entenderam o que estava sendo dito porque eles conheciam as línguas que os apóstolos estavam falando. Se ninguém conhece a língua, então aquele que a pronuncia fala mistérios. 1 Coríntios 13:1 (língua dos anjos) também não dá suporte à noção de que o dom de línguas é constituído por expressões de êxtase. Paulo claramente utiliza uma hipérbole em 1 Coríntios 13:1-3. Ele está claramente exagerando ao se referir ao dom de profecia (1 Co. 13:2), porque ninguém que profetiza conhece “todos os mistérios e toda a ciência”.

Eu acredito que o que está acontecendo nos círculos carismáticos atualmente a respeito das línguas é semelhante ao que vimos acontecer com a profecia. O dom foi redefinido para incluir uma espécie de vocalização livre, e então as pessoas afirmam ter o dom descrito nas Escrituras. Ao fazê-lo eles redefinem o dom para acomodar sua experiência contemporânea. Isso significa que as línguas contemporâneas são demoníacas, então? Acho que não. Concordo com J. I. Packer que diz que a experiência é mais uma forma de relaxamento psicológico.

Milagres e Curas

O que podemos falar sobre milagres e curas? Em primeiro lugar, eu acredito que hoje Deus ainda cura e realiza milagres, e que devemos orar por isso. As Escrituras não são tão claras sobre este assunto, de forma que esse dom poderia ainda existir. Ainda assim, a principal função desses dons era credenciar a mensagem do evangelho, confirmando que Jesus era tanto Senhor quanto Cristo. Eu duvido que o dom de milagres e curas ainda exista, porque não é evidente que homens e mulheres em nossas igrejas possuam tais dons. Certamente Deus pode curar e cura, às vezes, mas onde estão as pessoas com esses dons? Supostos milagres e curas devem ser verificados, assim como o povo verificou a cura do cego em João 9. Há uma espécie de ceticismo biblicamente justificado.

Agora, será que Deus poderia, em situações missionárias extremas, conceder milagres, sinais e prodígios para credenciar o evangelho como ele fez nos tempos apostólicos? Sim. Mas isso não é a mesma coisa que ter esses dons como uma característica normal no cotidiano da igreja. Se os sinais e maravilhas dos apóstolos tivessem voltado, deveríamos ver o cego recebendo a visão, os coxos andando e os mortos sendo ressuscitados. Deus cura hoje (às vezes de forma dramática), mas a cura de resfriados, de gripe, de DTM, problemas no estômago e nas costas, e assim por diante, não estão na mesma categoria que as curas encontradas nas Escrituras. Se as pessoas realmente têm, hoje em dia, o dom de cura e milagres, elas precisam demonstra-lo através da realização dos tipos de curas e milagres encontrados na Bíblia.

1 Coríntios 13:8-12 Não Contradiz a Sua Opinião?

Vamos considerar uma objeção à noção de que alguns dos dons cessaram. Será que 1 Coríntios 13:8-12 não ensina que os dons durarão até Jesus voltar? Certamente este texto ensina que os dons poderiam durar até a volta de Jesus. Não há ensinamento definitivo na Bíblia de que eles cessaram. Podemos até esperar que durem até a segunda vinda. Mas vemos indícios em Efésios 2:20 e outros textos de que os dons exerceram seu papel na fundação da igreja. Concluo, então, que 1 Coríntios 13:8-12 permite, mas não exige, que os dons continuem até a segunda vinda. E que os dons, da maneira como são praticados hoje, não se encaixam na descrição bíblica desses dons.

Por razões como essas os reformadores e grande parte da tradição protestante até o século 20 acreditavam que os dons cessaram. Concluo que tanto a Escritura quanto a experiência atestam o seu julgamento sobre o assunto.



13 fevereiro 2024

[Biografias] George Whitefield (1714–1770)

Muitas são as testemunhas das habilidades de oratória de George Whitefield, um dos principais catalisadores do reavivamento evangélico do século 18 e o primeiro evangelista internacionalmente famoso. Nenhuma delas é mais convincente que o relato feito por Benjamin Franklin. Whitefield estava angariando recursos para fundar um orfanato na Geórgia. Franklin, amigo e editor de Whitefield, argumentou sem sucesso que o orfanato devia se localizar na Filadélfia. “Pouco tempo depois, fui ouvir um dos sermões [de Whitefield]. Enquanto ele falava, percebi sua intenção de concluir com uma coleta de ofertas e secretamente decidi que ele não conseguiria nada de mim. No meu bolso, eu tinha algumas moedas de cobre, três ou quatro dólares de prata e cinco pistolas [moedas espanholas] de ouro. Conforme ele prosseguia, fui amolecendo e concluí que daria as moedas de cobre. Mais um golpe de sua oratória me deixou envergonhado disso, e resolvi dar as moedas de prata. Então ele concluiu de forma tão admirável que esvaziei os bolsos na salva de ofertas, com o ouro e tudo o mais” (“Benjamin Franklin on Rev. George Whitefield, 1739”).

Whitefield era filho de estalajadeiros em Gloucester, Inglaterra. Seu pai morreu quando George tinha 2 anos de idade. A mãe ficou sozinha cuidando da pousada. George cuidava do bar e servia bebidas aos clientes. Quando criança, lia peças teatrais e treinava dramatização. No entanto, também leu a Bíblia e Tomás de Kempis, sonhando tornar-se ministro anglicano.

Aos 18 anos, Whitefield entrou no Pembroke College, Oxford, onde conseguiu se manter atuando como servente dos alunos mais ricos. Ficou impressionado com a devoção religiosa dos membros do Clube Santo quando, a caminho de receber a Eucaristia, foram zombados por outros estudantes. O Clube Santo, fundado por Charles Wesley, adotava regras rígidas para uma vida de santidade, e os membros organizavam o tempo com rigor para estudar e praticar as disciplinas religiosas. Para escarnecer, outros alunos lhes deram o rótulo de “metodistas”. Whitefield achava que era pobredemais para participar do grupo de jovens cavalheiros do Clube Santo. Todavia, conheceu Charles Wesley, que lhe deu conselhos religiosos. Em 1735, Whitefield entrou para o Clube e, naquele ano, passou pela experiência da conversão evangélica. Ele nasceu de novo e “se alegrou em Deus, meu Salvador” (Kidd, George Whitefield, p. 21). Embora intimamente ligado aos Wesley, Whitefield divergia radicalmente no que diz respeito à predestinação. Whitefield seguia João Calvino, ao passo que os Wesley não.

Ele foi ordenado diácono na Igreja da Inglaterra e começou a pregar em Londres e arredores. Grandes multidões se reuniam; suas habilidades de ator eram usadas na pregação. Ele encenava a vida dos personagens bíblicos, dançando, correndo, gritando e chorando. Mas nem todos o aceitavam. Alguns o atacavam com o que vissem pela frente, jogando nele desde frutas podres até gatos mortos. Uma mulher o agrediu com os dentes. Whitefield, conforme Franklin observou depois, “abusava” dos ouvintes, “garantindo-lhes que eram naturalmente metade animais e metade demônios”.

Em 1739, Whitefield começou um itinerário de pregação pelas colônias norte-americanas, iniciando na Filadélfia. Para receber a multidão, logo foram obtidos recursos para construir um auditório de 650m2 (Franklin observa que o auditório não estava ligado a nenhuma denominação específica). Nova York e Nova Jersey foram outros lugares nos quais Whitefield pregou com sucesso.

Depois disso, Whitefield pregou com menos êxito pelas colônias do sul (em Charleston, ministros anglicanos o rejeitaram), até que chegou à Geórgia. Ali pregou a colonos que haviam sido libertos das prisões por dívidas na Inglaterra. As dificuldades do local, incluindo um surto de febre amarela, haviam gerado órfãos, que não tinham quem deles cuidasse. Incentivado pelos irmãos Wesley, Whitefield se determinou a construir um orfanato e recebeu uma doação de terra dos colonos. Bethesda, perto de Savannah, foi fundado em 1740.

Sofrendo de asma e mal conseguindo ficar em pé, Whitefield pregou seu último sermão em Newburyport, Massachusetts, na noite de 29 de setembro de 1770. Morreu no início da manhã seguinte. Isso deu fim à sua sétima viagem pelos Estados Unidos, onde foi ouvido por centenas de milhares, do Maine até a Geórgia, ajudando a desenvolver uma identidade norte-americana. O “Grande Itinerante” havia atravessado o Atlântico treze vezes.

Fonte: Coleção Heróis da Igreja, vol 4, editora Mundo Cristão.