22 outubro 2023

[Exposição] Despertem e Lembrem-se | 2 Pedro 1.12-21

A vida autêntica é a melhor defesa contra os falsos ensinamentos. Uma igreja em crescimento dificilmente se torna vítima de apóstatas e de seu cristianismo falsificado. No entanto, a vida cristã deve ser baseada na Palavra de Deus, pois ela está investida de autoridade. Para os falsos mestres, é fácil seduzir pessoas sem conhecimento da Bíblia, principalmente àqueles que desejam ter algum tipo de “experiências” com o Senhor. É perigoso edificar a fé somente sobre experiências subjetivas e ignorar a revelação objetiva.

Pedro trata da experiência cristã na primeira parte do primeiro capítulo (1-11) e na outra metade (12-21) vai abordar a revelação da Palavra de Deus. Seu objetivo é mostrar a importância de conhecer as Escrituras, a Palavra de Deus, e de se firmar inteiramente nela. O cristão que sabe em que crê e por que crê, raramente será seduzido por falsos mestres e por suas doutrinas errôneas. Pedro vai ressaltar a confiabilidade e durabilidade da Palavra de Deus fazendo um contraste entre as Escrituras e os homens, as experiências e o mundo.

Esta carta foi escrita aos cristãos da Ásia Menor, de acordo com 1 Pedro, no período de 67 dC, já no fim do reinado de Nero. É considerada uma “literatura de heresia”, ou seja, um dos livros do NT escrito para combater heresias. E talvez o tipo de heresia combatido nesta carta tenha sido o Gnosticismo¹ que já no séc 1 “rondava” círculos cristãos. Apesar das controvérsias, o autor é geralmente atribuído a Simão Pedro, o apóstolo de Jesus Cristo (1.1), que foi testemunha ocular da transfiguração de Jesus e que o negou por 3 vezes.

No texto que lemos, percebemos a preocupação de Pedro em levar os seus leitores a um patamar de edificação espiritual que fosse seguro contra os falsos mestres. E esse patamar só seria alcançado mediante o “despertamento” e o constante “lembrete” das verdades recebidas, do verdadeiro ensino. Daí temos o tema: Despertem e Lembrem-se!

1) Os homens morrem, mas a Palavra vive (v. 12-15)

Sabemos que os apóstolos e profetas do Novo Testamento lançaram os alicerces da Igreja (Ef 2.20) através da pregação e do ensino, e nós, de gerações posteriores, edificamos sobre esses alicerces. No entanto, os homens não constituem a fundação. Jesus é a fundação (1Co 3.11). Ele é a pedra angular que dá coesão ao edifício (Ef 2.20). Se a Igreja deseja permanecer de pé, não pode ter sua base construída sobre homens; antes, deve ser edificada sobre Jesus Cristo.

Podemos perceber pelo menos três motivações que dão razão ao ministério de Pedro ao escrever esta carta.

1) Obediência às ordens de Cristo, “sempre estarei pronto” (verso 12). Jesus havia dito a ele que quando ele se convertesse, deveria fortalecer os irmãos (ver Lc 22.32). Estar sempre pronto é o contrário de viver em preguiça, uma vez que a preguiça leva à destruição eterna (Pv 13.4; 24.30-34) e ser diligente leva à glória eterna. Pedro tencionava lembrá-los sempre. Mesmo que haja o conhecimento e determinação, há a necessidade de motivação e exortação.

2) Esta lembrança era a coisa certa a fazer (verso 13). “Considero justo…”, ou seja, “creio que é correto e apropriado”. É sempre correto estimular os crentes e lembrá-los da Palavra de Deus.

3) Diligência (verso 15). A palavra que o apóstolo usa aqui é a mesma que usou os versos 5 e 10. Significa “apressar-se em fazer algo”, “ser zeloso em fazer algo”. Pedro sabia que iria morrer em breve (ver João 21.18), por isso, desejava cumprir suas responsabilidades espirituais antes que fosse tarde demais. Pedro tinha consciência que a brevidade do seu mandato, aumenta o peso da sua responsabilidade diante de seus leitores. Uma vez que não sabemos quando iremos morrer, deveríamos começar a ser diligentes hoje mesmo!

Qual era o objetivo de Pedro? A resposta encontra-se em duas palavras usadas nos versos 12, 13 e 15 - lembrados e lembranças. Pedro desejava gravar a Palavra de Deus na mente dos seus leitores a fim de que jamais se esquecessem dela. “Despertai-vos com essas lembranças” (verso 13). O termo “despertar” significa estimular, acordar.

Os leitores desta carta conheciam a verdade e eram até confirmados na verdade (verso 12), mas isso não garantiam que se lembrariam para sempre dela e que a aplicariam. É por isso que o Espírito Santo foi dado à igreja, entre outros motivos, para lembrar os cristãos das lições que o Senhor Jesus ensinou (João 14.26). Lembrem-se: os homens morrem, mas a Palavra de Deus permanece!

Se não tivéssemos a revelação escrita confiável, estaríamos à mercê da memória humana. Felizmente é possível sim depender da Palavra de Deus pois ela está escrita e continuará escrita até a vinda de Jesus Cristo. É através desta Palavra escrita que somos salvos (1Pe 1.23-25). É através desta Palavra escrita que somos nutridos por ela (1Pe 2.2). É através desta Palavra escrita que somos guiados e protegidos ao crer e obedecer.

2) As experiências passam, mas a Palavra permanece (v.16-18)

Dos versos 16 a 18 temos como tema central a transfiguração de Jesus Cristo. Esse relato encontramos em Mateus 17, Marcos 9 e Lucas 9. No entanto, esses autores não estavam lá presentes quando ela ocorreu. Mas Pedro estava lá. Pedro traz à memória sua experiência de ter presenciado aquele evento.

Importante ressaltar o uso da primeira pessoa no plural. Trata-se de uma referência a Pedo, Tiago e João, os únicos apóstolos que presenciaram a Transfiguração. E serve para autenticar o testemunho apostólico, pois o evento descrito não foi visto apenas por Pedro. E também serve de testemunho para não acusar Pedro de ter criado essa “fábula engenhosa”. E cabe uma pergunta aqui: qual o significado da Transfiguração?

1) Confirmou o testemunho de Pedro acerca de Jesus Cristo (ver Mt 16.13-16). Pedro viu o Filho em sua glória e ouviu o Pai dizer do céu: “este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (2 Pe 1.17).

2) A Transfiguração teve um significado especial para Jesus Cristo, que se aproximava do Calvário. Foi a forma do Pai fortalecer o Filho para a provação terrível de ser sacrificado pelos pecados do seu povo. A Transfiguração foi prova de que, quando estamos dentro da vontade de Deus, o sofrimento conduz à glória.

3) Mensagem relacionada ao Reino prometido. Note que para cada relato da Transfiguração em Mateus, Marcos e Lucas, o relato começa com uma declaração sobre o Reino de Deus. Jesus prometeu que antes de morrerem, alguns discípulos veriam o Reino de Deus em poder (ver Mateus 16.28, Marcos 9.1, Lucas 9.27). E isso se cumpriu no monte da transfiguração.

Agora podemos entender porque Pedro usa esse acontecimento: para refutar falsos ensinos que dizia que o Reino de Deus nunca viria (ver 2 Pe 3.3 em diante). Daí Pedro apresenta um resumo do que viu e ouviu no monte da transfiguração. Viu a glória de Jesus e ouviu o testemunho do Pai sobre o Filho.

Nós não testemunhamos pessoalmente a Transfiguração, mas Pedro estava lá e apresenta um registro preciso de sua experiência na sua carta. As experiências passam, mas a Palavra de Deus permanece. As experiências são subjetivas, mas a Palavra de Deus é objetiva. As experiências podem ser interpretadas de diferentes formas pelos participantes, mas a Palavra de Deus apresenta uma única mensagem clara. As memórias de nossas experiências podem ser distorcidas inconscientemente, mas a Palavra de Deus não muda e permanece para sempre.

Ao lembrar da Transfiguração, Pedro afirma várias doutrinas importantes da fé cristã. Declara que Jesus Cristo é o Filho de Deus, da Sua Divindade. Declara a obra que Jesus Cristo veio fazer na terra, sua morte e ressurreição, trazendo redenção dos pecadores. Declara a veracidade das Escrituras, pois a Lei e os Profetas (Moisés e Elias) apontavam para Jesus Cristo (Hb 1.1-3). Declara a realidade do Reino de Deus, que o sofrimento conduziria à glória e que a cruz resultaria na sua coroação.

Pedro não pôde dividir essa experiência conosco, mas registrou essa experiência para que o tivéssemos gravado permanentemente na Palavra de Deus. Não é possível reproduzir essa experiência, porém temos o relato que nos devem conduzir à reflexão e meditação.

3) O mundo escurece, mas a Palavra resplandece (v.19-21)

O mundo tem-se deteriorado a cada nova geração. O mundo está mergulhado em trevas e isso não deveríamos nos espantar. Jesus advertia seus ouvintes que a igreja seria alvo de impostores que ensinariam falsas doutrinas (Mt 7.13-29), Paulo faz uma alerta semelhante aos presbíteros de Éfeso (At 20.28-35) e também em suas cartas (Rm 16.17-20; 2Co 11.1-15; Gl 1.1-9; Fp 3.17-21; Cl 2; 1Tim 4; 2Tm 3-4) e até mesmo João faz esse tipo de advertência (1Jo 2.18-29; 4.1-6). Ou seja, temos admoestações claras de que o mundo moral, espiritual, só iria de mal a pior e que afetaria a Igreja.

O mundo só escureceria cada vez mais, e a Palavra de Deus resplandeceria cada vez mais. Pedro faz três declarações acerca dessa Palavra:

É a Palavra confirmada (verso 19a). A experiência de Pedro no monte da transfiguração foi real e o registro bíblico é confiável. A Transfiguração foi uma demonstração da promessa da Palavra profética e hoje essa promessa é ainda mais certa por causa do que Pedro experimentou. A Transfiguração confirmou as promessas proféticas. Os apóstatas tentariam desacreditar a promessa da vinda de Cristo, mas as Escrituras são fiéis. A promessa do Reino foi reafirmada por Moisés, por Elias, pelo próprio Jesus Cristo e pelo Pai. E o Espírito Santo registrou essa verdade para ser lida para a sua Igreja. Pedro faz um tributo à validade das Escrituras, onde elas são mais dignas de crédito do que uma voz ouvida do céu. Aqui temos uma censura aos falsos mestres que, indo além das Escrituras, criam de forma artificial, teorias místicas. A experiência pela qual Pedro passou deu certeza da realidade futura.

“O testemunho do Senhor é fiel” (Sl 19.7). “Fidelíssimos são os teus testemunhos” (Sl 93.5). “Fiéis todos os seus preceitos” (Sl 111.7). “Por isso, tenho por, em tudo, retos os teus preceitos todos…” (Sl 119.128).

É a Palavra resplandecente (verso 19b). Pedro chama o mundo de “lugar tenebroso”. A palavra “tenebroso” aqui tem o sentido de algo “obscuro”. É um retrato de um porão escuro ou de um pântano sinistro. A história da humanidade começou em um jardim, belíssima, e hoje essa história está obscura, tenebrosa e sinistra. O sistema desse mundo indica a condição espiritual do nosso coração. Ainda podemos ver a beleza de Deus na criação, mas não vemos beleza alguma no que a humanidade faz com essa criação.

Deus é luz e a sua Palavra é luz: “Lâmpada para os meus pés é a tua Palavra e luz para os meus caminhos” (Sl 119.105). Jesus Cristo iniciou seu ministério “aos que viviam na região e sombra da morte e resplandeceu-lhes a luz” (Mt 4.16). Sua vinda a este mundo foi a aurora de um novo dia (Lc 1.78). Para a igreja, Jesus Cristo é “a brilhante estrela da manhã” (Ap 22.16). Ele é o “sol da justiça” (Mt 4.1,2).

É a Palavra dada pelo Espírito (versos 20,21). Pedro aqui declara a doutrina da inspiração das Escrituras. Pedro afirma que as Escrituras não foram redigidas por homens que usaram as próprias idéias e palavras, mas sim por homens “movidos pelo Espírito Santo”, ou de acordo com a palavra grega pheromenói (“controlados e conduzidos”), eles foram conduzidos pelo Espírito Santo. As Escrituras não foram inventadas por homens, mas sim inspiradas por Deus.

Mais uma vez, vemos Pedro refutando os falsos mestres que ensinavam “palavras fictícias” (2Pe 2.3) e distorciam as Escrituras de modo a fazê-las significar outras coisas (2Pe 3.16) e que negavam a promessa da vinda de Cristo (2Pe 3.3,4). Uma profecia das Escrituras deve ser interpretada não com base nos pensamentos arraigados da velha natureza humana, tal como aquela dos falsos mestres, mas com base no que o Espírito Santo torna claro sobre o seu significado, já que Jesus enviou o Espírito para guiar os crentes à verdade (Jo 16.13). As Escrituras não resultam de um desvendamento particular. Os profetas não inventaram, pela força do desejo humano, aquilo que escreveram.

Deus é o Autor das Escrituras. Foi Ele quem as deu, bem como Ele é a correta interpretação, mediante iluminação.

Conclusão

Os homens morrem, mas a Palavra de Deus vive. As experiências passam, mas a Palavra permanece. O mundo escurece, mas a luz da Palavra de Deus resplandece. O cristão que edifica a vida pela Palavra de Deus e que espera a vinda do Salvador Jesus Cristo dificilmente será enganado por falsos mestres.

A mensagem de Pedro é: “despertem e lembrem-se!”. Há igrejas que, sem saber, dão espaço para o diabo atuar. Lembram da parábola do joio em Mateus 13.24-30? “O Reino dos Céus é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo. Mas, enquanto todos estavam dormindo, veio o inimigo dele, semeou o joio no meio do trigo e foi embora”.

Devemos ter o cuidado com as falsificações de Satanás. Ele possui cristãos falsos (2Co 11.26) que acreditam num evangelho falso (Gl 1.6-9), estimula uma falsa justificação (Rm 10.1-3) e tem até mesmo uma igreja falsa (Ap 2.9). No final dos tempos, chegará ao cúmulo de produzir um falso cristo (2Ts 2.1-12).

Devemos permanecer alertas para que os ministros de Satanás não se infiltrem e causem estragos na congregação dos cristãos verdadeiros (2Pe 2; 1Jo 4.1-6). Nem tudo que é feito dentro do cristianismo é um produto de cristãos verdadeiros. Quando nós “dormimos”, Satanás se põe a trabalhar. Devemos nos opor a Satanás com a mesma diligência que ele se opõe ao verdadeiro ensino. Despertemos e lembremo-nos!

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¹
O gnosticismo do primeiro século era um movimento religioso e filosófico que se desenvolveu no Império Romano durante os primeiros séculos do cristianismo. Os gnósticos acreditavam em uma dualidade entre o espírito e a matéria, e que o mundo material era mau e satânico. O espírito humano, portanto, era prisioneiro do corpo. A salvação, para os gnósticos, era alcançada por meio do conhecimento (gnosis), que era transmitido a um iniciado por um mestre gnóstico. Os gnósticos acreditavam que Jesus Cristo era um ser espiritual, e não um ser humano. Eles acreditavam que Jesus Cristo era uma emanação da divindade superior, e que havia descido ao mundo material para libertar o espírito humano. Os gnósticos rejeitavam a crença cristã de que Jesus Cristo havia se tornado humano e que havia sofrido e morrido na cruz e negavam a ressurreição de Jesus Cristo.


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