22 outubro 2023

[Exposição] Despertem e Lembrem-se | 2 Pedro 1.12-21

A vida autêntica é a melhor defesa contra os falsos ensinamentos. Uma igreja em crescimento dificilmente se torna vítima de apóstatas e de seu cristianismo falsificado. No entanto, a vida cristã deve ser baseada na Palavra de Deus, pois ela está investida de autoridade. Para os falsos mestres, é fácil seduzir pessoas sem conhecimento da Bíblia, principalmente àqueles que desejam ter algum tipo de “experiências” com o Senhor. É perigoso edificar a fé somente sobre experiências subjetivas e ignorar a revelação objetiva.

Pedro trata da experiência cristã na primeira parte do primeiro capítulo (1-11) e na outra metade (12-21) vai abordar a revelação da Palavra de Deus. Seu objetivo é mostrar a importância de conhecer as Escrituras, a Palavra de Deus, e de se firmar inteiramente nela. O cristão que sabe em que crê e por que crê, raramente será seduzido por falsos mestres e por suas doutrinas errôneas. Pedro vai ressaltar a confiabilidade e durabilidade da Palavra de Deus fazendo um contraste entre as Escrituras e os homens, as experiências e o mundo.

Esta carta foi escrita aos cristãos da Ásia Menor, de acordo com 1 Pedro, no período de 67 dC, já no fim do reinado de Nero. É considerada uma “literatura de heresia”, ou seja, um dos livros do NT escrito para combater heresias. E talvez o tipo de heresia combatido nesta carta tenha sido o Gnosticismo¹ que já no séc 1 “rondava” círculos cristãos. Apesar das controvérsias, o autor é geralmente atribuído a Simão Pedro, o apóstolo de Jesus Cristo (1.1), que foi testemunha ocular da transfiguração de Jesus e que o negou por 3 vezes.

No texto que lemos, percebemos a preocupação de Pedro em levar os seus leitores a um patamar de edificação espiritual que fosse seguro contra os falsos mestres. E esse patamar só seria alcançado mediante o “despertamento” e o constante “lembrete” das verdades recebidas, do verdadeiro ensino. Daí temos o tema: Despertem e Lembrem-se!

1) Os homens morrem, mas a Palavra vive (v. 12-15)

Sabemos que os apóstolos e profetas do Novo Testamento lançaram os alicerces da Igreja (Ef 2.20) através da pregação e do ensino, e nós, de gerações posteriores, edificamos sobre esses alicerces. No entanto, os homens não constituem a fundação. Jesus é a fundação (1Co 3.11). Ele é a pedra angular que dá coesão ao edifício (Ef 2.20). Se a Igreja deseja permanecer de pé, não pode ter sua base construída sobre homens; antes, deve ser edificada sobre Jesus Cristo.

Podemos perceber pelo menos três motivações que dão razão ao ministério de Pedro ao escrever esta carta.

1) Obediência às ordens de Cristo, “sempre estarei pronto” (verso 12). Jesus havia dito a ele que quando ele se convertesse, deveria fortalecer os irmãos (ver Lc 22.32). Estar sempre pronto é o contrário de viver em preguiça, uma vez que a preguiça leva à destruição eterna (Pv 13.4; 24.30-34) e ser diligente leva à glória eterna. Pedro tencionava lembrá-los sempre. Mesmo que haja o conhecimento e determinação, há a necessidade de motivação e exortação.

2) Esta lembrança era a coisa certa a fazer (verso 13). “Considero justo…”, ou seja, “creio que é correto e apropriado”. É sempre correto estimular os crentes e lembrá-los da Palavra de Deus.

3) Diligência (verso 15). A palavra que o apóstolo usa aqui é a mesma que usou os versos 5 e 10. Significa “apressar-se em fazer algo”, “ser zeloso em fazer algo”. Pedro sabia que iria morrer em breve (ver João 21.18), por isso, desejava cumprir suas responsabilidades espirituais antes que fosse tarde demais. Pedro tinha consciência que a brevidade do seu mandato, aumenta o peso da sua responsabilidade diante de seus leitores. Uma vez que não sabemos quando iremos morrer, deveríamos começar a ser diligentes hoje mesmo!

Qual era o objetivo de Pedro? A resposta encontra-se em duas palavras usadas nos versos 12, 13 e 15 - lembrados e lembranças. Pedro desejava gravar a Palavra de Deus na mente dos seus leitores a fim de que jamais se esquecessem dela. “Despertai-vos com essas lembranças” (verso 13). O termo “despertar” significa estimular, acordar.

Os leitores desta carta conheciam a verdade e eram até confirmados na verdade (verso 12), mas isso não garantiam que se lembrariam para sempre dela e que a aplicariam. É por isso que o Espírito Santo foi dado à igreja, entre outros motivos, para lembrar os cristãos das lições que o Senhor Jesus ensinou (João 14.26). Lembrem-se: os homens morrem, mas a Palavra de Deus permanece!

Se não tivéssemos a revelação escrita confiável, estaríamos à mercê da memória humana. Felizmente é possível sim depender da Palavra de Deus pois ela está escrita e continuará escrita até a vinda de Jesus Cristo. É através desta Palavra escrita que somos salvos (1Pe 1.23-25). É através desta Palavra escrita que somos nutridos por ela (1Pe 2.2). É através desta Palavra escrita que somos guiados e protegidos ao crer e obedecer.

2) As experiências passam, mas a Palavra permanece (v.16-18)

Dos versos 16 a 18 temos como tema central a transfiguração de Jesus Cristo. Esse relato encontramos em Mateus 17, Marcos 9 e Lucas 9. No entanto, esses autores não estavam lá presentes quando ela ocorreu. Mas Pedro estava lá. Pedro traz à memória sua experiência de ter presenciado aquele evento.

Importante ressaltar o uso da primeira pessoa no plural. Trata-se de uma referência a Pedo, Tiago e João, os únicos apóstolos que presenciaram a Transfiguração. E serve para autenticar o testemunho apostólico, pois o evento descrito não foi visto apenas por Pedro. E também serve de testemunho para não acusar Pedro de ter criado essa “fábula engenhosa”. E cabe uma pergunta aqui: qual o significado da Transfiguração?

1) Confirmou o testemunho de Pedro acerca de Jesus Cristo (ver Mt 16.13-16). Pedro viu o Filho em sua glória e ouviu o Pai dizer do céu: “este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (2 Pe 1.17).

2) A Transfiguração teve um significado especial para Jesus Cristo, que se aproximava do Calvário. Foi a forma do Pai fortalecer o Filho para a provação terrível de ser sacrificado pelos pecados do seu povo. A Transfiguração foi prova de que, quando estamos dentro da vontade de Deus, o sofrimento conduz à glória.

3) Mensagem relacionada ao Reino prometido. Note que para cada relato da Transfiguração em Mateus, Marcos e Lucas, o relato começa com uma declaração sobre o Reino de Deus. Jesus prometeu que antes de morrerem, alguns discípulos veriam o Reino de Deus em poder (ver Mateus 16.28, Marcos 9.1, Lucas 9.27). E isso se cumpriu no monte da transfiguração.

Agora podemos entender porque Pedro usa esse acontecimento: para refutar falsos ensinos que dizia que o Reino de Deus nunca viria (ver 2 Pe 3.3 em diante). Daí Pedro apresenta um resumo do que viu e ouviu no monte da transfiguração. Viu a glória de Jesus e ouviu o testemunho do Pai sobre o Filho.

Nós não testemunhamos pessoalmente a Transfiguração, mas Pedro estava lá e apresenta um registro preciso de sua experiência na sua carta. As experiências passam, mas a Palavra de Deus permanece. As experiências são subjetivas, mas a Palavra de Deus é objetiva. As experiências podem ser interpretadas de diferentes formas pelos participantes, mas a Palavra de Deus apresenta uma única mensagem clara. As memórias de nossas experiências podem ser distorcidas inconscientemente, mas a Palavra de Deus não muda e permanece para sempre.

Ao lembrar da Transfiguração, Pedro afirma várias doutrinas importantes da fé cristã. Declara que Jesus Cristo é o Filho de Deus, da Sua Divindade. Declara a obra que Jesus Cristo veio fazer na terra, sua morte e ressurreição, trazendo redenção dos pecadores. Declara a veracidade das Escrituras, pois a Lei e os Profetas (Moisés e Elias) apontavam para Jesus Cristo (Hb 1.1-3). Declara a realidade do Reino de Deus, que o sofrimento conduziria à glória e que a cruz resultaria na sua coroação.

Pedro não pôde dividir essa experiência conosco, mas registrou essa experiência para que o tivéssemos gravado permanentemente na Palavra de Deus. Não é possível reproduzir essa experiência, porém temos o relato que nos devem conduzir à reflexão e meditação.

3) O mundo escurece, mas a Palavra resplandece (v.19-21)

O mundo tem-se deteriorado a cada nova geração. O mundo está mergulhado em trevas e isso não deveríamos nos espantar. Jesus advertia seus ouvintes que a igreja seria alvo de impostores que ensinariam falsas doutrinas (Mt 7.13-29), Paulo faz uma alerta semelhante aos presbíteros de Éfeso (At 20.28-35) e também em suas cartas (Rm 16.17-20; 2Co 11.1-15; Gl 1.1-9; Fp 3.17-21; Cl 2; 1Tim 4; 2Tm 3-4) e até mesmo João faz esse tipo de advertência (1Jo 2.18-29; 4.1-6). Ou seja, temos admoestações claras de que o mundo moral, espiritual, só iria de mal a pior e que afetaria a Igreja.

O mundo só escureceria cada vez mais, e a Palavra de Deus resplandeceria cada vez mais. Pedro faz três declarações acerca dessa Palavra:

É a Palavra confirmada (verso 19a). A experiência de Pedro no monte da transfiguração foi real e o registro bíblico é confiável. A Transfiguração foi uma demonstração da promessa da Palavra profética e hoje essa promessa é ainda mais certa por causa do que Pedro experimentou. A Transfiguração confirmou as promessas proféticas. Os apóstatas tentariam desacreditar a promessa da vinda de Cristo, mas as Escrituras são fiéis. A promessa do Reino foi reafirmada por Moisés, por Elias, pelo próprio Jesus Cristo e pelo Pai. E o Espírito Santo registrou essa verdade para ser lida para a sua Igreja. Pedro faz um tributo à validade das Escrituras, onde elas são mais dignas de crédito do que uma voz ouvida do céu. Aqui temos uma censura aos falsos mestres que, indo além das Escrituras, criam de forma artificial, teorias místicas. A experiência pela qual Pedro passou deu certeza da realidade futura.

“O testemunho do Senhor é fiel” (Sl 19.7). “Fidelíssimos são os teus testemunhos” (Sl 93.5). “Fiéis todos os seus preceitos” (Sl 111.7). “Por isso, tenho por, em tudo, retos os teus preceitos todos…” (Sl 119.128).

É a Palavra resplandecente (verso 19b). Pedro chama o mundo de “lugar tenebroso”. A palavra “tenebroso” aqui tem o sentido de algo “obscuro”. É um retrato de um porão escuro ou de um pântano sinistro. A história da humanidade começou em um jardim, belíssima, e hoje essa história está obscura, tenebrosa e sinistra. O sistema desse mundo indica a condição espiritual do nosso coração. Ainda podemos ver a beleza de Deus na criação, mas não vemos beleza alguma no que a humanidade faz com essa criação.

Deus é luz e a sua Palavra é luz: “Lâmpada para os meus pés é a tua Palavra e luz para os meus caminhos” (Sl 119.105). Jesus Cristo iniciou seu ministério “aos que viviam na região e sombra da morte e resplandeceu-lhes a luz” (Mt 4.16). Sua vinda a este mundo foi a aurora de um novo dia (Lc 1.78). Para a igreja, Jesus Cristo é “a brilhante estrela da manhã” (Ap 22.16). Ele é o “sol da justiça” (Mt 4.1,2).

É a Palavra dada pelo Espírito (versos 20,21). Pedro aqui declara a doutrina da inspiração das Escrituras. Pedro afirma que as Escrituras não foram redigidas por homens que usaram as próprias idéias e palavras, mas sim por homens “movidos pelo Espírito Santo”, ou de acordo com a palavra grega pheromenói (“controlados e conduzidos”), eles foram conduzidos pelo Espírito Santo. As Escrituras não foram inventadas por homens, mas sim inspiradas por Deus.

Mais uma vez, vemos Pedro refutando os falsos mestres que ensinavam “palavras fictícias” (2Pe 2.3) e distorciam as Escrituras de modo a fazê-las significar outras coisas (2Pe 3.16) e que negavam a promessa da vinda de Cristo (2Pe 3.3,4). Uma profecia das Escrituras deve ser interpretada não com base nos pensamentos arraigados da velha natureza humana, tal como aquela dos falsos mestres, mas com base no que o Espírito Santo torna claro sobre o seu significado, já que Jesus enviou o Espírito para guiar os crentes à verdade (Jo 16.13). As Escrituras não resultam de um desvendamento particular. Os profetas não inventaram, pela força do desejo humano, aquilo que escreveram.

Deus é o Autor das Escrituras. Foi Ele quem as deu, bem como Ele é a correta interpretação, mediante iluminação.

Conclusão

Os homens morrem, mas a Palavra de Deus vive. As experiências passam, mas a Palavra permanece. O mundo escurece, mas a luz da Palavra de Deus resplandece. O cristão que edifica a vida pela Palavra de Deus e que espera a vinda do Salvador Jesus Cristo dificilmente será enganado por falsos mestres.

A mensagem de Pedro é: “despertem e lembrem-se!”. Há igrejas que, sem saber, dão espaço para o diabo atuar. Lembram da parábola do joio em Mateus 13.24-30? “O Reino dos Céus é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo. Mas, enquanto todos estavam dormindo, veio o inimigo dele, semeou o joio no meio do trigo e foi embora”.

Devemos ter o cuidado com as falsificações de Satanás. Ele possui cristãos falsos (2Co 11.26) que acreditam num evangelho falso (Gl 1.6-9), estimula uma falsa justificação (Rm 10.1-3) e tem até mesmo uma igreja falsa (Ap 2.9). No final dos tempos, chegará ao cúmulo de produzir um falso cristo (2Ts 2.1-12).

Devemos permanecer alertas para que os ministros de Satanás não se infiltrem e causem estragos na congregação dos cristãos verdadeiros (2Pe 2; 1Jo 4.1-6). Nem tudo que é feito dentro do cristianismo é um produto de cristãos verdadeiros. Quando nós “dormimos”, Satanás se põe a trabalhar. Devemos nos opor a Satanás com a mesma diligência que ele se opõe ao verdadeiro ensino. Despertemos e lembremo-nos!

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¹
O gnosticismo do primeiro século era um movimento religioso e filosófico que se desenvolveu no Império Romano durante os primeiros séculos do cristianismo. Os gnósticos acreditavam em uma dualidade entre o espírito e a matéria, e que o mundo material era mau e satânico. O espírito humano, portanto, era prisioneiro do corpo. A salvação, para os gnósticos, era alcançada por meio do conhecimento (gnosis), que era transmitido a um iniciado por um mestre gnóstico. Os gnósticos acreditavam que Jesus Cristo era um ser espiritual, e não um ser humano. Eles acreditavam que Jesus Cristo era uma emanação da divindade superior, e que havia descido ao mundo material para libertar o espírito humano. Os gnósticos rejeitavam a crença cristã de que Jesus Cristo havia se tornado humano e que havia sofrido e morrido na cruz e negavam a ressurreição de Jesus Cristo.


14 outubro 2023

O que é a Teologia Reformada?

Por Jonathan Master 

Você já fez ou recebeu as seguintes perguntas: Você é Reformado? Quando você se tornou Reformado? Esta é uma igreja Reformada? Essas perguntas são comuns, mas podem ser surpreendentemente difíceis de responder.

Então, o que é a teologia Reformada? Em seu nível mais básico, o termo Teologia Reformada refere-se às conclusões teológicas que decorrem da Reforma Protestante. Os primeiros reformadores, como Martinho Lutero, Ulrico Zuínglio e João Calvino, tinham críticas afiadas e específicas à teologia católica romana do final da Idade Média. Os reformadores rejeitaram o ensino católico romano sobre a natureza da justificação e o lugar da fé salvadora individual. Eles também rejeitaram as reivindicações católicas romanas sobre a autoridade do papa, afirmando que somente a Bíblia detinha o lugar de autoridade final em discussões doutrinárias. Além disso, rejeitaram a compreensão católica romana da adoração e o lugar e significado dos sacramentos do batismo e da comunhão.

Hoje, quando o termo Teologia Reformada é usado, muitas vezes refere-se a algo menos histórico. Frequentemente, refere-se a uma teologia que reconhece a doutrina da predestinação e mantém uma visão elevada da Bíblia como a Palavra inerrante de Deus. Às vezes, também é identificada com os chamados Cinco Pontos do Calvinismo: depravação total, eleição incondicional, expiação limitada, graça irresistível e perseverança dos santos. Esses são todos ensinamentos importantes da Tradição Reformada, mas não encapsulam completamente ou descrevem a Teologia Reformada.

Um melhor ponto de partida são cinco afirmações chamadas de Cinco Solas da Reforma. Esses cinco solas (sola é a palavra latina para "somente" ou "sozinho") são Sola Scriptura (somente a Escritura), Sola Fide (somente a fé), Sola Gratia (somente a graça), Solus Christus (somente Cristo) e Soli Deo Gloria (a glória somente a Deus). Juntas, essas solas expressam claramente as preocupações centrais da Reforma Protestante, que tratava tanto da adoração quanto da autoridade dentro da igreja, assim como da salvação individual. O "somente" em cada uma é vital e enfatiza a suficiência da Palavra de Deus e a natureza graciosa da salvação, recebida somente pela fé, em Cristo apenas. O último dos cinco solas, Soli Deo Gloria, é a consequência natural dos quatro primeiros. Ele nos lembra que a Teologia Reformada entende toda a vida em termos da glória de Deus. Ser Reformado em nosso pensamento é ser centrado em Deus. A salvação é do Senhor do início ao fim, e até mesmo nossa existência é um presente Dele.

A Teologia Reformada afirma os cinco solas com todas as suas implicações; reconhece a centralidade do pacto nos propósitos salvíficos de Deus; e é expressa em uma confissão de fé histórica e pública. Além dos cinco solas, há mais dois aspectos da Teologia Reformada a serem destacados. O primeiro é a doutrina do pacto. Nas Escrituras, vemos que Deus realiza seus propósitos salvíficos por meio de sucessivos pactos. De fato, a Bíblia fala de um "pacto eterno" abrangente, centrado na cruz de Cristo (Hebreus 13:20). Os pactos fornecem a estrutura bíblica para entender a obra de Deus em Cristo e seus tratos com seu povo ao longo da história. A centralidade dessa estrutura de pacto na Bíblia e na vida cristã dificilmente pode ser exagerada, e as ramificações para reconhecer esse tema central nas Escrituras são bastante significativas. De fato, esta é uma das razões pelas quais simplesmente enfatizar a predestinação, ou mesmo os cinco pontos do calvinismo, não faz justiça ao que significa ser um Cristão Reformado. A Teologia Reformada é uma teologia de toda a Bíblia, e o pacto é o quadro bíblico que mostra a unidade do Antigo Testamento e do Novo, centrando-se no Senhor Jesus Cristo.

Além disso, todas as expressões vibrantes e duradouras do Cristianismo Reformado têm confissões de fé que expressam suas convicções. As mais conhecidas das confissões maduras Reformadas incluem a Confissão Belga, o Catecismo de Heidelberg e os Cânones de Dort (que juntos são chamados de Três Formas de Unidade), e a Confissão de Westminster, que tem seus próprios catecismos. Desde seus primeiros dias, presumiu-se que a Teologia Reformada seria expressa em confissões de fé. Portanto, ser Reformado é ser confessional, e ser uma Igreja Reformada é ser um lugar onde uma dessas confissões históricas é professada, ensinada e seguida.

O que é a Teologia Reformada? É uma teologia que 1) afirma os cinco solas com todas as suas implicações; 2) reconhece a centralidade do pacto nos propósitos salvíficos de Deus; e 3) é expressa em uma confissão de fé histórica e pública.

A Teologia Reformada é uma bênção para o povo de Deus. Em nossa salvação, em nossa adoração, em nossas igrejas e em nossas famílias, Deus é soberano, e Ele está trabalhando para cumprir seus propósitos. A Deus seja toda a glória.
Oh, a profundidade das riquezas e da sabedoria e do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são seus juízos e quão inescrutáveis são seus caminhos! "Pois quem conheceu a mente do Senhor, ou quem foi seu conselheiro?" "Ou quem deu a ele algum presente para que fosse recompensado?" Porque dele, por meio dele e para ele são todas as coisas. A ele seja a glória para sempre. Amém. (Romanos 11:33–36)
Fonte: Ligonier


13 outubro 2023

Alimentando a Reforma

Por RC Sproul 

Sempre fico intrigado quando vejo letreiros de igrejas anunciando um próximo avivamento. Eles fornecem os horários e as datas em que a igreja estará envolvida em avivamento. Mas eu me pergunto, como alguém pode agendar um avivamento? Verdadeiros avivamentos são provocados pelo trabalho soberano de Deus, através do movimento de Seu Espírito Santo nos corações das pessoas. Eles acontecem quando o Espírito Santo entra no vale de ossos secos (Ezequiel 37) e exerce Seu poder para trazer nova vida, uma revivificação da vida espiritual do povo de Deus.

Esse tipo de coisa não pode ser manipulado por nenhuma programação humana. Historicamente, ninguém agendou a Reforma Protestante. O avivamento galês não estava na agenda de ninguém, assim como o Grande Despertamento Americano não estava marcado na agenda de alguém. Esses eventos épicos na história da igreja resultaram do trabalho soberano de Deus, que trouxe Seu poder para agir em igrejas que haviam se tornado virtualmente moribundas.

Mas precisamos entender a diferença entre avivamento e reforma. Avivamento, como a palavra sugere, significa uma renovação da vida. Quando o evangelismo é uma prioridade na igreja, tal esforço frequentemente resultará em avivamento. No entanto, esses avivamentos na vida espiritual nem sempre resultam em reforma. Reforma indica mudanças nas formas da igreja e da sociedade. Avivamentos se transformam em reformas quando o impacto do evangelho começa a mudar as estruturas da cultura. Avivamento pode produzir uma multidão de novos cristãos, mas esses novos cristãos precisam crescer até amadurecer antes de começarem a ter um impacto significativo na cultura circundante.

Reforma pode envolver uma mudança para o melhor. Não devemos ser tão ingênuos a ponto de pensar que toda mudança é necessariamente boa. Às vezes, quando sentimos que estamos em uma maré baixa ou que o progresso foi estagnado, clamamos por mudança, esquecendo por um momento que a mudança pode ser regressiva em vez de progressiva. Se eu beber um frasco de veneno, isso me mudará, mas não para melhor. No entanto, a mudança é frequentemente benéfica.

Em nossos dias, vimos o surgimento do que foi chamado de "Novo Calvinismo", que tende a se concentrar principalmente nos chamados cinco pontos do calvinismo. Esse movimento dentro da igreja atraiu muita atenção, até mesmo na mídia secular.

No entanto, seria prudente não identificar o calvinismo de forma exaustiva apenas com esses cinco pontos. Em vez disso, os cinco pontos funcionam como um caminho ou uma ponte para toda a estrutura da teologia reformada. O próprio Charles Spurgeon argumentou que o calvinismo é apenas um apelido para a teologia bíblica. Ele e muitos outros gigantes do passado entenderam que a essência da teologia reformada não pode ser reduzida a cinco pontos específicos que surgiram séculos atrás na Holanda em resposta à controvérsia com os arminianos, que objetavam a cinco pontos específicos do sistema de doutrina encontrado no calvinismo histórico. Para os propósitos deste artigo, pode ser útil examinar o que é e o que não é a teologia reformada.

A Bíblia, sendo a Palavra de Deus, reflete a coesão e unidade do Deus cuja Palavra é. A teologia reformada não é um conjunto caótico de ideias desconectadas. Pelo contrário, a teologia reformada é sistemática. A Bíblia, sendo a Palavra de Deus, reflete a coesão e unidade do Deus cuja Palavra é. Certamente, seria uma distorção impor um sistema de pensamento estrangeiro sobre as Escrituras, fazendo com que as Escrituras se conformem a ele como se fosse algum tipo de leito procrusteano. Esse não é o objetivo de uma teologia sistemática sólida. Pelo contrário, a verdadeira teologia sistemática busca entender o sistema de teologia contido em toda a extensão das Sagradas Escrituras. Ela não impõe ideias sobre a Bíblia; ela ouve as ideias proclamadas pela Bíblia e as compreende de maneira coerente.

A teologia reformada não é antropocêntrica. Isso quer dizer que a teologia reformada não é centrada nos seres humanos. O ponto focal central da teologia reformada é Deus, e a doutrina de Deus permeia todo o pensamento reformado. Assim, a teologia reformada, por meio da afirmação, pode ser chamada de teocêntrica. De fato, sua compreensão do caráter de Deus é primária e determinante em relação à sua compreensão de todas as outras doutrinas. Ou seja, sua compreensão da salvação tem como fator de controle, seu coração, uma compreensão particular do caráter soberano de Deus.

A teologia reformada não é anticatólica. Isso pode parecer estranho, uma vez que a teologia reformada surgiu diretamente do movimento protestante contra o ensino e a atividade do catolicismo romano. Mas o termo "católico" se refere ao cristianismo católico, cuja essência pode ser encontrada nos credos ecumênicos dos primeiros mil anos da história da igreja, especialmente nos conselhos da igreja primitiva, como o Concílio de Niceia no século IV e o Concílio de Calcedônia no século V. Ou seja, esses credos contêm artigos comuns de fé compartilhados por todas as denominações que abraçam o cristianismo ortodoxo, como a Trindade e a expiação de Cristo. As doutrinas afirmadas por todos os cristãos estão no coração e no núcleo do calvinismo. O calvinismo não parte em busca de uma nova teologia e não rejeita a base comum de teologia compartilhada por toda a igreja.

A teologia reformada não é católica romana em sua compreensão da justificação. Isso é simplesmente dizer que a teologia reformada é evangélica no sentido histórico da palavra. Nesse sentido a teologia reformada se alinha fortemente com Martinho Lutero e os reformadores magisteriais em sua articulação da doutrina da justificação pela fé, assim como a doutrina da sola Scriptura. Nenhuma dessas doutrinas é explicitamente declarada nos cinco pontos do calvinismo; no entanto, de certa forma, elas se tornam parte do alicerce para as outras características da teologia reformada.

Tudo isso é dizer que a teologia reformada transcende muito além dos meros cinco pontos do calvinismo, sendo uma visão de mundo completa. Ela é pactuar. Ela é sacramental. Ela está comprometida em transformar a cultura. Ela é subordinada à operação de Deus, o Espírito Santo, e tem um rico arcabouço para entender a totalidade do conselho de Deus revelado na Bíblia.

Portanto, é evidente que o desenvolvimento mais importante que trará a reforma não é simplesmente o avivamento do calvinismo. O que deve acontecer é a renovação da compreensão do próprio evangelho. É quando o evangelho é claramente proclamado em toda a sua plenitude que Deus exerce Seu poder redentor para trazer renovação na igreja e no mundo. É no evangelho e em nenhum outro lugar que Deus deu Seu poder para a salvação.

Se quisermos a reforma, temos que começar por nós mesmos. Precisamos começar a trazer o próprio evangelho para fora da escuridão, de modo que o lema de cada reforma seja post tenebras lux ("depois da escuridão, luz"). Lutero declarou que cada geração deve declarar de maneira fresca o evangelho do Novo Testamento. Ele também disse que sempre que o evangelho é clara e ousadamente proclamado, isso trará conflito, e aqueles de nós que são inerentemente avessos ao conflito encontrarão tentador submergir o evangelho, diluir o evangelho ou obscurecer o evangelho para evitar conflitos. Claro, podemos adicionar ofensa ao evangelho por nossas próprias tentativas mal-educadas de proclamá-lo. Mas não há como remover a ofensa que é inerente à mensagem do evangelho, porque é uma pedra de tropeço, um escândalo para um mundo caído. Inevitavelmente, trará conflito. Se quisermos a reforma, devemos estar preparados para suportar tal conflito para a glória de Deus.

Fonte: Ligonier

02 outubro 2023

O que é o Estado Intermediário?

"Ela não está morta, mas dormindo" (Lucas 8:52). Jesus fez este comentário sobre a filha de Jairo quando estava prestes a ressuscitá-la dos mortos. Frequentemente, a Bíblia se refere à morte pela figura do "sono". Por causa desta imagem, alguns concluíram que o Novo Testamento ensina a doutrina do sono da alma.

O sono da alma é geralmente descrito como uma espécie de animação suspensa temporária da alma entre o momento da morte pessoal e o tempo em que nossos corpos serão ressuscitados. Quando nossos corpos são ressuscitados dos mortos, a alma é despertada para começar a continuidade pessoal consciente no céu. Embora séculos possam passar entre a morte e a ressurreição final, a alma "adormecida" não terá consciência consciente da passagem do tempo. Nossa transição da morte para o céu parecerá instantânea.

O sono da alma representa um afastamento do cristianismo ortodoxo. Permanece, no entanto, como um relatório minoritário firmemente entrincheirado entre os cristãos. A visão tradicional é chamada de estado intermediário. Esta visão sustenta que na morte, a alma do crente vai imediatamente estar com Cristo para desfrutar de uma existência pessoal, consciente e contínua enquanto aguarda a ressurreição final do corpo. Quando o Credo dos Apóstolos fala da "ressurreição do corpo", não se refere à ressurreição do corpo humano de Cristo (que também é afirmada no Credo), mas à ressurreição de nossos corpos no último dia.

Mas o que acontece nesse ínterim? A visão clássica é que na morte as almas dos crentes são imediatamente glorificadas. Eles são aperfeiçoados em santidade e entram imediatamente na glória. Seus corpos, no entanto, permanecem no túmulo, aguardando a ressurreição final.

No estado intermediário, desfrutaremos da continuidade da existência pessoal consciente na presença de Cristo.

Jesus prometeu ao ladrão na cruz que "hoje estarás comigo no Paraíso" (Lucas 23:43). Aqueles que apoiam o conceito de sono da alma argumentam que Jesus não poderia ter dito que encontraria o ladrão no paraíso naquele mesmo dia, porque Jesus estaria morto por três dias e Ele ainda não havia ascendido. Embora a ascensão de Cristo realmente ainda não tivesse ocorrido e Seu corpo certamente estivesse no túmulo, Ele havia recomendado Seu espírito ao Pai. Temos a certeza de que no momento de Sua morte, a alma de Jesus foi para o Paraíso como Ele declarou. Os defensores do sono da alma argumentam que a maioria das edições inglesas da Bíblia colocou a vírgula incorretamente. Eles leem desta forma: "Eu te digo hoje, você estará comigo no Paraíso."

Com esta mudança na pontuação, o "hoje" então se refere ao tempo em que Jesus está falando, e não ao tempo em que Jesus se encontrará com o ladrão no Paraíso. Essa pontuação é improvável, no entanto. Era perfeitamente óbvio para o ladrão em que dia Jesus estava conversando com ele. Dificilmente era necessário que Jesus dissesse que estava falando "hoje". Este desperdício de palavras para um homem ofegante nas garras da crucificação é altamente improvável. Em vez disso, consistente com o resto da evidência bíblica para o estado intermediário (veja especialmente Fil. 1:19-26 e 2 Cor. 5:1-10), a promessa ao ladrão é que ele se reuniria com Cristo no Paraíso naquele mesmo dia.

O estado do crente após a morte é diferente e melhor do que o que experimentamos nesta vida, embora não tão diferente ou tão abençoado como será na ressurreição final. No estado intermediário, desfrutaremos da continuidade da existência pessoal consciente na presença de Cristo.

O período de provação da humanidade termina com a morte. Nosso destino final é decidido quando morremos. Não há esperança de uma segunda chance de arrependimento após a morte, e não há lugar de purgação como o purgatório para melhorar nossa condição futura. Para o crente, a morte é a emancipação imediata do conflito e da turbulência desta vida ao entrarmos em nosso estado de bem-aventurança.

Embora a morte traga descanso à alma e a Bíblia frequentemente se refira à morte pelo eufemismo do sono, não é apropriado assumir que no estado intermediário a alma dorme ou que permanecemos inconscientes ou em estado de animação suspensa até a ressurreição final.

Fonte: Ligonier