02 novembro 2022

Onde estão os finados?

Por Augustus Nicodemus 

02 de Novembro é "dia de finados" no Brasil. Boa oportunidade para se fazer a pergunta acima. Eu sei que a resposta óbvia é "enterrados no cemitério", mas eu me refiro à alma dos finados. A resposta bíblica pode ser resumida em alguns pontos, que não pretendem ser exaustivos, mas que representam o pensamento evangélico histórico e reformado sobre o que acontece após a morte.

1 - Imediatamente após a morte, as almas dos homens voltam a Deus. Seus corpos permanecem na terra, onde são destruídos.
2 - As almas dos finados não caem em um estado de sono ou de inconsciência após a morte.
3 - As almas dos salvos em Cristo Jesus entram em um estado de perfeita santidade e alegria, na presença de Deus, e reinam com Cristo, enquanto aguardam a ressurreição de seus corpos.
4 - Esta felicidade não é impedida pela memória de suas vidas na terra, uma vez que agora eles consideram tudo à luz de perfeita vontade de Deus e do Seu plano perfeito.
5 - Sua felicidade e salvação é somente pela graça de Deus. Eles não têm poder de interceder pelos vivos ou tornar-se mediadores entre eles e Deus.
6 - As almas dos perdidos não são destruídas após a morte, mas entram em um estado de sofrimento consciente e de escuridão, tirados da presença de Deus, enquanto esperam o dia do julgamento.
7 - Não há outros estados além destes dois após a morte. Não há qualquer base bíblica para a doutrina do purgatório e nem da reencarnação.
8 - Nem as almas dos salvos nem as dos perdidos podem voltar para a terra dos vivos após a morte.

Todas os fenômenos considerados como a ação de almas desencarnadas deve ser atribuída à imaginação humana ou à ação de demônios. A realidade da morte e da sobrevivência da alma deveria nos lembrar sempre das palavras de Jesus: "De que adiante ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?"

Fonte: Instagram

02 outubro 2022

[Devocional] Apegue-se a Cristo

Richard Alleine 

Preservando a palavra da vida, para que, no Dia de Cristo, eu me glorie de que não corri em vão, nem me esforcei inutilmente. Filipenses 2:16 

Permaneça perto de Cristo, do contrário é provável que você nunca tenha uma estreita ligação com Ele. Quanto mais nos aproximarmos de Cristo, quanto mais firmes permanecermos, menos perigos teremos de cair. A raiz de uma árvore, se for desprendida do solo, será arrancada com mais facilidade. Pode ser que algumas raízes secundárias a sustentem para que ela não morra. Mas, se a raiz principal for desprendida, o perigo de tombar será maior. A união da alma com Cristo é descrita como a união do marido com a esposa: “Eis que deixará o homem a seu pai e a sua mãe e se unirá à sua mulher” (Ef 5:31). A palavra no original significa ficar colado à esposa. E se duas peças forem coladas uma na outra, se encolherem ou perderem a aderência, se separarão. Tome cuidado para não se encolher nem perder a aderência com Cristo; a cola enfraquecerá se você fizer isso; e assim que perder a aderência, você não saberá até que ponto será levado para longe dele. Ó, tome cuidado para não aumentar a distância, para não se afastar de Cristo; fique perto dele se quiser permanecer firme.

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Sobre o autror:
Richard Alleine (1611–91). Alleine, autor de A Vindication of Godliness [Defesa da piedade], uma defesa sustentada por piedade pessoal, foi reitor de Batcombe, em Somersetshire, onde serviu como ministro do evangelho por mais de 20 anos. Apesar de ter sido zeloso pela obra do Senhor, foi expulso de seu púlpito em 1662. É normalmente citado como irmão de Joseph Alleine, mas, na verdade, era seu tio. As obras de Alleine são investigativas, convincentes e edificantes. Ele é muito conhecido por seus escritos práticos, que normalmente são publicados com as iniciais “R.A.”.

Fonte: Pão Diário


18 setembro 2022

[Devocional] Outros deuses

John Dod/Robert Cleaver 

Não terás outros deuses diante de mim (Êx 20.3)
 
O significado do primeiro mandamento é que devemos santificar Deus em nosso coração e oferecer-lhe tudo o que é adequado e peculiar à Sua majestade. […] Não ter outros deuses significa não ter nada que nos cause atração irresistível ou que estimamos mais do que Deus. Portanto, a doutrina é que não devemos permitir que nada afaste nossa alma, ou qualquer coisa em nós, de Deus, pois isso passa a ser o nosso deus, aquilo que mais nos atrai. Se nossa mente estiver ocupada com qualquer outra coisa que não seja a glória e o serviço a Deus, isso passa a ser outro deus para nós. Quanto à questão de conveniência, se colocarmos a esperança, a confiança e o coração na riqueza, isso é idolatria. O homem rico descrito no evangelho fez da riqueza o seu deus visto que confiava nela e a adorava; pois aqui ele fala da adoração interior a Deus na alma. Se confiarmos na riqueza e pensarmos que estamos seguros por possuí-la, quando ela nos for retirada, será o nosso fim. […] A ganância é chamada de idolatria […] diante da qual nossa alma e afeições, nossa inteligência, memória, compreensão e todas as nossas faculdades se curvam quando deveríamos nos curvar somente diante de Deus.

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Sobre o autror:
John Dod (1549–1645) estudou na Jesus College, Cambridge. Durante esse período, foi um debatedor tão eficiente que o corpo docente da faculdade o convidou para associar-se a eles, mas Dod declinou a oferta. Continuou em Cambridge durante 16 anos como aluno e depois como professor. Em 1579, foi empossado pastor em Hanwell, Oxfordshire, e ocupou essa posição por 20 anos. Foi genro do famoso puritano casuísta Richard Greenham. A obra mais famosa de Dod é Exposition upon the Ten Commandments [Exposição sobre os Dez Mandamentos], escrito em parceria com Robert Cleaver.



10 setembro 2022

[Devocional] Examine as Escrituras

William Gouge 

E logo, durante a noite, os irmãos enviaram Paulo e Silas para Bereia; ali chegados, dirigiram-se à sinagoga dos judeus. Ora, estes de Bereia eram mais nobres que os de Tessalônica; pois receberam a palavra com toda a avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se as coisas eram, de fato, assim. At 17:10,11. 

Devemos examinar as Escrituras para conhecer a vontade de Deus, porque nelas está contida a Sua vontade. Essa é a busca para a qual se promete conhecimento e entendimento. E para nos ajudar nesse assunto, devemos ser leitores diligentes da Palavra de Deus. Com referência aos judeus convertidos, nota-se que eles continuaram firmes na doutrina dos apóstolos, e está escrito que eram ouvintes diligentes e constantes dos apóstolos, bem como fiéis confessores e praticantes dessa doutrina. A primeira afirmação é a causa da segunda. A pregação da Palavra é uma grande ajuda para levar-nos a fazer a vontade de Deus. E a esse respeito há uma dupla explicação. Primeira, porque a vontade de Deus é apresentada a nós de modo mais claro, mais distinto e mais completo. Segunda, porque é um meio santificado por Deus para creditar e assegurar a verdade daquilo que é revelado; sim, e para fazer a nossa vontade, o coração e as afeições se renderem a ela e se firmarem nela. Sobre esse assunto, diz a sabedoria de Deus, que está especialmente apresentada na pregação de Sua Palavra: “Feliz o homem que me dá ouvidos, velando dia a dia às minhas portas, esperando às ombreiras da minha entrada” (PV 8:34).

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Sobre o autror:
William Gouge (1578–1653). William Gouge era sobrinho de Samuel e Ezekiel Culverwell, ambos ilustres puritanos. Estudou primeiro na St. Paul’s School e completou o curso secundário na escola de Felstead, Essex, onde seu tio Ezekiel era pároco. Depois estudou em Eaton e dali ingressou-se no King’s College, Cambridge. Gouge fez grandes avanços em lógica e defendeu a nova filosofia de Peter Ramus (um sistema aristotelista diluído). Por recomendação de Arthur Hildersam, Gouge foi nomeado ministro do evangelho da St. Anne’s, Blackfriars. Em 1643, fez parte da Assembleia de Westminster, e dizem que “não havia ninguém mais assíduo que ele”. Gouge, conhecido como um amável erudito, ficou mais famoso por seu livro Commentary on the Epistle to the Hebrews [Comentários sobre a epístola aos Hebreus], concluído pouco antes de sua morte. Publicado posteriormente, o comentário sobre Hebreus encheu dois grandes fólios e consistia de quase mil sermões pregados em Blackfriars.


16 agosto 2022

[Devocional] Ver Deus

Jeremiah Burroughs 
Rogo-te que me mostres a tua glória (Êx 33:18). 
Quanto mais vemos Deus elevado, menores devemos ser aos nossos olhos. Não há nada que nos torne mais humildes que a reflexão acerca de Deus. Penso que todo coração orgulhoso neste mundo não conhece a Deus, nunca teve a visão da glória de Deus como deveria. Quando vemos Deus, nosso coração se torna maravilhosamente humilde diante dele. Jó é um famoso exemplo disso. Ele declara: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te veem. Por isso, me abomino e me arrependo no pó e na cinza” (42:5,6). Jó era um homem íntegro e reto, no entanto confessou que conhecia Deus só de ouvir falar, que nunca o havia visto até aquele momento que o próprio Deus lhe proporcionara. E ao ver Deus daquela maneira, embora fosse um homem íntegro e capaz de continuar a viver em retidão, ele diz: “Agora os meus olhos te veem. Por isso, me abomino e me arrependo no pó e na cinza”. Ó, quem dera Deus desse uma visão de si mesmo a todos nós, aos orgulhosos, aos resistentes, aos que se rebelam contra Ele. Vocês conheciam Deus só de ouvir, mas os seus olhos já o viram? Se Deus lhes desse uma visão do que lhes falei sucintamente, certamente se ajoelhariam diante dele e se abominariam no pó e na cinza.

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Sobre o autror:
Jeremiah Burroughs (1599–1647). Burroughs, outro puritano muito produtivo, foi um pregador benquisto e bem-sucedido em Londres. Representou a causa Independente na Assembleia de Westminster e passou seis anos pregando em uma pequena igreja rural. Foi ministro do evangelho na igreja inglesa em Rotterdam e, após retornar a Londres, tornou-se a “estrela da manhã” da igreja em Stepney. Burroughs foi um dos melhores oradores puritanos de sua época; dedicava um amor especial aos Pais da Igreja e à História Cristã. Cotton Mather observou que Moses His Choice [Moisés sua escolha], de Burroughs, “não fará você reclamar que perdeu tempo por tê-lo em sua companhia”.

Fonte: Pão Diário


06 agosto 2022

[Devocional] Contentamento Divino

Thomas Watson 
Seja a vossa vida sem avareza. Contentai-vos com as coisas que tendes; porque ele tem dito: De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei. (Hb 13:5) 
O contentamento é algo divino; passa a ser nosso, não por aquisição, mas por infusão. É um enxerto da árvore da vida implantado na alma pelo Espírito de Deus; é um fruto que não cresce no jardim da filosofia, mas tem origem celestial. É fácil observar que o contentamento está ligado à piedade, e os dois se completam: “De fato, grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento” (1Tm 6:6). Quando o contentamento é uma consequência da piedade, ou concomitante, ou ambas as coisas, digo que é divino, para distingui-lo daquele contentamento que um homem de bons princípios é capaz de sentir. Aparentemente os pagãos sentem esse contentamento, mas é apenas uma sombra e imagem dele — é berilo, não diamante verdadeiro: um é polido, o outro é sagrado; um baseia-se nos princípios da razão, o outro, da religião; um é apenas iluminado pela tocha da natureza; o outro é a lâmpada das Escrituras. A razão pode transmitir um pouco de contentamento da seguinte forma: seja qual for a minha condição, foi para isso que eu nasci. E se enfrento sofrimentos, esta é uma desventura universal: todos têm sua cota de sofrimento, então por que eu deveria me perturbar? A razão pode sugerir isso; e, na verdade, pode ser restritivo; mas, para viver com segurança e alegria em Deus tendo escassez de provisões humanas, somente a religião pode trazer isso ao tesouro da alma.

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Sobre o autror: Thomas Watson (m.1696). Pouco se conhece a respeito do início da vida de Watson. Recebeu grau de mestrado em Letras pelo Emmanuel College, em Cambridge, e a seguir iniciou um longo pastorado na St. Stephen’s Walbrook, em Londres. Foi preso com Christopher Love, William Jenkins e outros em 1651 por tomar parte em um plano para restabelecer a monarquia. Foi libertado após a promessa de que se comportaria apropriadamente. Em 1662, Watson foi expulso por inconformismo. Retirou-se para Essex em 1696, onde morreu.


01 agosto 2022

[Devocional] Pensamentos sobre o céu

Henry Scudder 
A cidade não precisa nem do sol, nem da lua, para lhe darem claridade, pois a glória de Deus a iluminou, e o Cordeiro é a sua lâmpada. (Ap 21:23) 
No Céu há perfeita obediência. Não há erro, mesmo na menor das circunstâncias. “Agora, conheço em parte”, diz o apóstolo, “então (isto é, quando chegar ao Céu), conhecerei como também sou conhecido” (1Co 13:12). Ao referir-se aos novos Céus, Pedro disse: “nos quais habita justiça” (2Pe 3:13). O Céu é o lugar santo no qual nenhum ímpio pode entrar, porque, quando havia pessoas desobedientes no Céu, ou seja, o diabo e seus anjos, que não mantiveram seu estado original, o Céu os vomitou, para nunca ser enganado por eles ou coisa parecida. No Céu não há tentadores; há apenas Deus, anjos e os espíritos dos justos que se tornaram perfeitos. Assim, não há nenhuma tentação para pecar. Esses pensamentos suavizam a dor quando nossos amigos morrem no Senhor, pois o lugar para onde a morte os levou é o Céu. Isso nos dá segurança de que eles estão onde se tornaram perfeitos, onde não ofenderão nem serão ofendidos. Será que essa meditação produz nos filhos de Deus não apenas contentamento, mas o desejo de abandonar este tabernáculo (o corpo) para ser transformado quando o Senhor assim o desejar, uma vez que a transformação será tão feliz? Trata-se apenas de abrir mão de uma terra infeliz e pecaminosa para viver no Céu, onde habita a justiça perfeita. Trata-se de abandonar a mortalidade em troca da vida, o pecado em troca da graça, e a infelicidade em troca da glória. Lá, não há atores nem contempladores do pecado. Lá, não há pecado para contaminá-los ou aborrecê-los. Quando estivermos exaustos e quase desfalecendo em nosso combate contra o pecado e contra este mundo perverso, devemos considerar que em breve, se permanecermos firmes e corajosos, esse pecado e essa carne não nos aborrecerão mais. Quando a morte chegar, ela será o portal para o Céu. Certamente a morte separa o pecado da alma e do corpo para sempre da mesma forma que a alma se separa do corpo por uns tempos, pois o nosso lugar é no Céu, onde os anjos habitam, os exemplos de nossa obediência. Quando chegarmos lá, seremos iguais aos anjos (Lc 20:36) e estaremos para sempre com o Senhor.

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Sobre o autror: Henry Scudder (m.1659). Pouco se conhece a respeito de Scudder. Estudou no Christ’s College, Cambridge, em 1660, e ministrou em Drayton, Oxfordshire, até 1633. Em 1643, foi escolhido como um dos membros presbiterianos da Assembleia de Westminster. Sua obra mais conhecida, The Christian’s Daily Walk in Security and Peace [A caminhada diária do cristão em segurança e paz], foi altamente recomendada por John Owen e Richard Baxter.


31 julho 2022

Para que filiar-se a uma igreja?

Por Mark Brown e Larry Wilson 

Alice estava lívida! Era a primeira vez que visitava aquela igreja, “e também a última”, pensou ela. A igreja tinha celebrado a Ceia do Senhor.

— Sou crente já faz quatro anos e o pastor teve o desplante de me mandar ficar de fora da comunhão! fumegou ela.
— Ele disse que quem estivesse com problemas com Deus ou com a Sua igreja que tratasse de resolvê-los antes de poder participar da mesa do Senhor, e me incluiu nisso somente porque não sou membro de igreja. Que ousadia!

Não é raro em nossos dias que crentes sinceros em Cristo, como Alice, pensem que filiar-se a uma igreja seja uma questão de opção. E, diante de tantas outras opções — livros, fitas de áudio e vídeo, programas de rádio e TV, recursos da Internet, grupos paraeclesiásticos etc. — filiar-se à igreja está lá no final da lista, se é que está na lista! Muitos jamais levaram em conta que o compromisso com uma congregação tenha lá toda essa importância, ou que seja assim tão agradável. Quase sempre ficam chocados quando ouvem que historicamente os cristãos consideram que seja essencial, e não opcional, filiar-se à igreja.

Seria arbitrária esta histórica convicção cristã? Seria legalista? O que é que a Bíblia tem a dizer sobre ser membro de uma igreja? Achamos que ela diz o suficiente. Portanto, considere conosco dez razões bíblicas pelas quais todo cristão declarado deve filiar-se a uma igreja local.

Filiar-se à igreja é ordem de Jesus

Em primeiro lugar, o nosso Senhor Jesus Cristo ordenou aos Seus seguidores que se filiassem à igreja. Em Mateus 16.18, Jesus diz aos Seus discípulos: “eu edificarei a minha igreja”. Ele descreve a igreja como o templo da nova aliança, e todos os que confessam que Jesus é o Senhor são as pedras desse edifício (Mt 16.16; 1Pe 2.5; Ef 2.19-20).

Em Mateus 28.19-20, Jesus confirma e amplia a sua declaração anterior ao ordenar aos Seus seguidores que façam discípulos, batizando-os e ensinando-os depois. O cumprimento dessa grande comissão resulta na inclusão dos convertidos à igreja. Por que dizemos isso? Porque a ordenança do batismo faz parte da grande comissão. Conquanto o batismo do Espírito Santo nos acrescente à igreja invisível (1Co 12.13), não devemos manter invisível a nossa salvação, temos que expressá-la externamente (Rm 10.9-10). O batismo de água, externo e visível, simboliza esta realidade invisível.

Atos 2.41 descreve como a igreja apostólica pôs esse princípio em prática: “Então, os que lhe aceitaram a palavra foram batizados, havendo um acréscimo naquele dia de quase três mil pessoas”. Houve um acréscimo a que? Atos 2.27 dá a resposta: “E todos os dias acrescentava o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar”. Essa era a igreja visível, os apóstolos acompanhavam atentamente quem eram os batizados e até os contavam.

Cristo ordenou que fôssemos batizados. Ao ordenar que sejamos batizados, ordena-nos que também sejamos acrescentados à igreja. Noutras palavras, Ele ordena que nos filiemos à igreja, deseja que o nosso relacionamento com Ele seja honesto e perceptível (Mt 10.32) e que seja também um relacionamento corporativo (Hb 10.24-25).

O Velho Testamento ensina a filiação eclesiástica

Em segundo lugar o Velho Testamento ensina que os crentes devem se filiar à igreja. Os israelitas eram o povo da velha aliança de Deus. Deus ordenara a circuncisão como selo daquela relação pactual, e como sinal de membro da comunidade do pacto (Gn 17.7, 10-11). O Novo Testamento identifica essa velha comunidade da aliança como “a igreja” (At 7:38).

Se você fosse estrangeiro teria que ser circuncidado para se tornar membro de Israel antes de poder celebrar a Páscoa (Êx 12.43-44, 48). Noutras palavras, você teria que se “filiar à igreja” antes de poder participar da mesa do Senhor. Se não fosse circuncidado, não interessaria a sua história nem a sua fé subjetiva, você seria excomungado do meio do povo de Deus (Gn 17:14).

Pode ver o paralelismo com o Novo Testamento? O batismo é a circuncisão do Novo Testamento (Cl 2.11-12) e marca a sua entrada na nova comunidade do pacto, a igreja (Gl 3.27, 29; 6:15-16; Fp 3.3). A Ceia do Senhor é agora a nova Páscoa do pacto (cf. Mt 26.17-19; 1Co 5:7). Assim, da mesma maneira que era necessário ser circundado para se tornar membro de Israel antes de poder celebrar a Páscoa, do mesmo modo é necessário tornar-se membro da igreja antes de poder participar da Ceia do Senhor. Por isso é que, os que “foram batizados” e “acrescentados à igreja” eram os que participavam do partir do pão com os apóstolos (At 2.41-42; 47).

A filiação eclesiástica é inferência Neotestamentário

Terceira, o Novo Testamento pressupõe que todo convertido se filia à igreja. A conversão inclui ser acrescentado à igreja local visível (At 2.41, 47; 14:21-23). Era impensável que alguém pudesse abraçar a Cristo e optar depois por não se filiar à igreja do Senhor. Na verdade, quem não era membro da igreja era considerando como incrédulo (Mt 18.17). O cristianismo bíblico é intensamente pessoal, sempre, mas nunca particular e individualista.

O Novo Testamento enfatiza vigorosamente o caráter corporativo ou grupal do cristianismo. Ele fala do ajuntamento dos crentes como sendo, por exemplo, o corpo de Cristo, a noiva de Cristo, a família da fé, o templo do Espírito Santo, a comunhão dos santos, a nação santa, o povo de Deus, a família de Deus etc. Nos dias dos apóstolos, todo convertido filiava-se à igreja, senão o fizesse, não era considerado convertido.

A filiação eclesiástica é parte integrante da salvação

Quarta, o conceito bíblico de salvação envolve ser membro de igreja. Na Bíblia, vir a Cristo e à Sua igreja é uma coisa só, não duas. As pessoas hoje recebem a Cristo numa campanha de evangelização e só depois é que decidem se vão ou não se filiar a uma igreja. Algumas vezes nunca o fazem. A Palavra de Deus, no entanto, considera que vir a Cristo e filiar-se à Sua igreja são os dois lados de uma mesma coisa: assim como o lado de dentro e o lado de fora da salvação como um todo.

Internamente, você se volta para Deus e clama para que Ele lhe salve por meio do sangue e da justiça de Jesus Cristo.

Externamente, você se identifica como pertencendo a Cristo pela profissão da sua fé diante da igreja e na adoração, aprendizado e testemunho contínuos juntamente com a assembleia (Rm 10.9-10; Mt 10.32; At 2.41-42; Hb 10.25). Fazer parte de Cristo é, na Bíblia, fazer parte do corpo de Cristo (1Co 12.13, 27; Rm 12.5; Ef 5.29-30). Biblicamente, os cristãos servem a Cristo, não em isolamento autossuficiente, mas como membros vivos do Seu corpo.

A filiação eclesiástica patenteia a ordem eclesiástica

Quinta, as tantas prescrições bíblicas sobre ordem na igreja deixam claro que Deus espera que os crentes se filiem às igrejas locais. Deus estabelece requisitos de admissão (At 2.47), provê meios de expulsão da igreja (Mt 18.17; 1Co 5.4-5), ordena que haja líderes (ou oficiais) como pastores, presbíteros e diáconos (Ef 4.11-12; At 14.23; 1Tm 3.1-13). Só este último fato já evidencia que os crentes terão que se filiar à igreja. Pois, como é que haveria oficiais se não houvesse membros para os eleger e seguir? De onde é que viriam pastores, presbíteros e diáconos? Para que serviriam eles?

Em 1 Timóteo, depois de dar instruções sobre a oração no culto público (2.1-8), sobre as mulheres no culto público (2.9-15) e sobre a eleição de presbíteros e diáconos (3.1-13), o apóstolo Paulo explica: “para que, se eu tardar, fiques ciente de como se deve proceder na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e baluarte da verdade” (3.15). Tais regras seriam inúteis, se os crentes não fossem membros de igrejas locais organizadas.

Muitos mandamentos bíblicos denotam filiação eclesiástica

Sexta, há muitas outras instruções bíblicas que só podem ser obedecidas se você for membro de igreja. Cristo instrui os Seus seguidores para que celebrem a Ceia do Senhor (Lc 22.19). Mas a Mesa do Senhor está posta apenas para os que são membros batizados de Sua igreja (veja abaixo a segunda razão).

Deus ordena que os cristãos amem a seus irmãos e os sirvam (Gl 6.2; 1Pe 3.17; 1Jo 3.14). Mas como é possível reconhecer os irmãos? Alguns se dizem crentes, e não o são. Como é que os crentes podem reconhecer a outros se não for pela identificação de pertencerem a uma igreja visível que prega o evangelho?

O que prevalece hoje é um espírito de autonomia que despreza a autoridade. Isso não é nada novo (2Pe 2.10). Mas Deus ordena aos Seus filhos redimidos que “acateis com apreço os que [...] vos presidem no Senhor e vos admoestam” (1Ts 5.12) e que “obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles” (Hb 13.17). Mas como será isso possível se você não se filiou à igreja que eles supervisionam? De que outra maneira seria possível saber quem são aqueles a quem Deus colocou sobre você?

Poderíamos dar muitos outros exemplos, mas esses devem bastar para mostrar que existem muitos outros mandamentos bíblicos que os crentes só podem obedecer se estiverem filiados à igreja. Destarte, recusar-se a se filiar à igreja de Jesus Cristo torna a pessoa culpa de inúmeros pecados de omissão, e de desobediência ao Senhor.

O cuidado pastoral exige filiação eclesiástica

A nossa sétima razão relaciona-se à sexta, mas achamos que será útil citá-la em separado. Seria impossível cuidar biblicamente da ovelha de Cristo sem a filiação à igreja. Deus ordena que os presbíteros pastoreiem o Seu rebanho no exercício do cuidado e da supervisão pastoral. A igreja é o rebanho que o Senhor deixou aos cuidados deles (At 20.28; 1Pe 5.1-4). Eles têm que concentrar a atenção naqueles que se filiaram à igreja sobre a qual Deus os fez supervisores (1Co 5.12). Os que visitam à igreja, porém, não estão sob a jurisdição dos presbíteros. Se não se filiarem a ela, como é que poderão ser pastoreados adequadamente? Além do mais, o bom pastor conhece as suas ovelhas pelos seus nomes e é também conhecido por elas (Jo 10.3-4, 14). Os que estão sob o seu pastorado não precisariam fazer o mesmo (1Pe 5.1-4)? Como poderão pastorear o rebanho se não souberem quem faz parte dele?

Em Mateus 18.15-18 o nosso Senhor Jesus ensina aos Seus discípulos como devem lidar com o pecado e o conflito no corpo de Cristo. Se um cristão professo está em pecado e nele persiste teimosamente sem se arrepender, a igreja deverá excomungá-lo e considerá-lo como um incrédulo (cf. 1Co 5). Se se arrepender deverá ser restaurado (2Co 2.5-11). O objetivo principal da disciplina é o socorro e a restauração (Gl 6.1). Mas como seria possível essa prática à igreja se não houvesse uma distinção objetiva entre os que são “de dentro” e os que são “de fora” (1Co 5.12-13)? É impossível obedecer às instruções de Cristo sobre a supervisão pastoral e a disciplina eclesiástica se os crentes não se tornarem membros de igreja.

A vida prática da igreja abrange a filiação eclesiástica

Oitava, há muitas questões de ordem prática que a igreja não pode realizar bem sem a filiação eclesiástica objetiva. Deus ordena que “Tudo, porém, seja feito com decência e ordem” (1Co 14.40). As igrejas precisam levantar pastores, eleger presbíteros e diáconos, definir orçamentos, comprar propriedades, construir locais de reunião etc. São decisões importantes. Mas sem membros objetivamente definidos, como seria possível decidir de modo justo — “com decência e ordem” — quem tem ou não o privilégio de votar?

O evangelismo bíblico exige a filiação eclesiástica

Nona, é impossível o evangelismo bíblico sem a filiação eclesiástica. A maior parcela do evangelismo de hoje reforça o tomar decisões. Jesus, no entanto, nos ordena a fazer discípulos. O medidor bíblico do sucesso evangelístico não está marcando muitas decisões professadas, só está alistando pessoas nos privilégios e nas responsabilidades de seguir a Cristo. Biblicamente o evangelismo só estará completo quando os convertidos estiverem matriculados na escola de Cristo e abraçados ao seio da família visível dos crentes (Mt 28.19-20; cf. 1Co 12:13; At 2.41, 47).

O amor de Deus clama pela filiação eclesiástica

Décima e última, o grande amor de Deus pela igreja convida os crentes a que se filiem à igreja. A Bíblia reforça repetidamente o quão vital e importante é a igreja para o Deus vivo e Trino.

A igreja estava no coração de Deus na Sua obra de criação (Ef 3.9-11). A igreja estava no coração de Deus, na Sua obra de salvação (Mt 16.18; Ef 5.25). A igreja tem a promessa da Sua presença especial (Hb 2.12; Mt 18.20). Se a igreja é tão importante para o Senhor, também não deveria ser para todos aqueles que O amam? Como é que você pode amar ao Senhor e ao mesmo tempo se desviar para longe daquilo que o Senhor ama? Será que isso não quer dizer que todo o crente tem que se identificar abertamente com a igreja de Cristo?




16 julho 2022

A Imagem de Deus

Assim Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. Gênesis 1:27 (NAA) 
As Escrituras ensinam (Gn 1.26,27; 5.1; 9.6; 1Co 11.7; Tg 3.9) que Deus fez o homem e a mulher à sua própria imagem, assim de que os seres humanos são semelhantes a Deus, como nenhuma outra criatura terrena é. A dignidade especial dos seres humanos está no fato de, como homens e mulheres, poderem refletir e reproduzir - dentro de sua própria condição de criaturas- os santos caminhos de Deus. Os seres humanos foram criados com esse propósito e, num sentido, somos verdadeiros seres humanos na medida em que cumprimos esse propósito.

O que tudo envolve essa imagem de Deus na humanidade não está especificado em Gn 1.26,27, mas o contexto da passagem nos ajuda a defini-lo. O texto de Gn 1.1-25 descreve Deus como sendo pessoal, racional (dotado de inteligência e vontade), criativo, governando o mundo que criou, e um ser moralmente admirável (pois tudo o que criou é bom). Assim, a imagem de Deus refletirá essas qualidades. Os versículos 28-30 mostram Deus abençoando os seres humanos que acabara de criar, conferindo-lhes o poder de governar a criação, como seus representantes e delegados. A capacidade humana para comunicar-se e para relacionar-se tanto com Deus como com outros seres humanos aparece como outra faceta dessa imagem.

Por isso, a imagem de Deus na humanidade, que surgiu no ato criador de Deus, consiste em: (a) existência do homem como uma "alma" ou "espírito" (Gn 2.7), isto é, como ser pessoal e autoconsciente, com capacidade semelhante à de Deus para conhecer, pensar e agir; (b) ser uma criatura moralmente correta - qualidade perdida na queda, porém agora progressivamente restaurada em Cristo (Ef 4.24; Cl 3.10); (c) domínio sobre o meio ambiente; (d) ser o corpo humano o meio através do qual experimentamos a realidade, nos expressamos e exercemos domínio e (e) na capacidade que Deus nos deu para usufruir a vida eterna.

A queda deformou a imagem de Deus não só em Adão e Eva, mas em todos os seus descendentes, ou seja, em toda a raça humana. Estruturalmente, conservamos essa imagem no sentido de permanecermos seres humanos, mas não funcionalmente, por sermos agora escravos do pecado, incapazes de usar nossos poderes para espelhar a santidade de Deus. A regeneração começa em nossa vida o processo de restauração da imagem moral de Deus. Porém, enquanto não formos inteiramente santificados e glorificados, não podemos refletir, de modo perfeito, a imagem de Deus em nossos pensamentos e ações - como fomos criados para fazer e como o Filho de Deus encarnado refletiu na sua humanidade (Jo 4.34; 5.30; 6.38; 8.29,46).

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Fonte: Bíblia de Estudo de Genebra. São Paulo e Barueri, Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999, pag.10.

10 julho 2022

Sobre desejo e tentação - Existe a possibilidade de haver cristãos gays?

Por Milton Jr. 

Recentemente as redes sociais reacenderam uma discussão acerca da homossexualidade, no mínimo, complicada. Alguns têm defendido que não há problema com o desejo sexual pelo mesmo sexo, desde que não haja a consumação do ato. Ou seja, alguém pode continuar tendo desejos homossexuais sem crise na consciência, desde que se mantenha celibatário.

Para compreender esta questão corretamente é preciso olhar para o ensino bíblico acerca dos desejos e da tentação.

Deus fez o homem com a capacidade de desejar. Existem inúmeras coisas lícitas de se desejar, algumas, inclusive, estimuladas pela Escritura. O desejo pelo episcopado, por exemplo, é chamado de excelente por Paulo (1Tm 3.1). Pedro exorta os cristãos a desejarem ardentemente o genuíno leite espiritual (1Pe 2.2).

Entretanto, até mesmo bons desejos podem se tornar maus. Você aprende isso com Paulo, quando ele afirma que “todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas” (1Co 6.12). Algo semelhante foi dito pelo Senhor a Caim: “o seu desejo será contra ti, mas cumpre a ti dominá-lo” (Gn 4.7b). A razão para esta ordem para dominar o desejo em vez de ser dominado por ele havia sido apresentada anteriormente pelo Senhor: “Eis que o pecado jaz à porta” (Gn 4.7a) . O verbo traduzido por jazer neste texto traz a ideia de “estar em uma posição deitada, descansando, mas pronto para a ação”[1].

Isto lembra a dinâmica do pecado, conforme ensinada por Tiago. O homem é tentado pelo seu desejo, quando atraído e seduzido, ou seja, quando fisgado pelo desejo (Tg 1.14).

Diante disso, podemos afirmar que não há problema com o desejo legítimo (lícito), a não ser que você, dominado por eles, peque para conseguir o que tanto deseja. A tentação se dá quando você está diante da possibilidade de pecar em nome do seu desejo.

Mateus narra o episódio em que Jesus foi tentado pelo diabo. Após jejuar 40 dias ele teve fome. O desejo por comida é natural e não é pecaminoso em si. O diabo aparece e instiga Jesus a mandar as pedras se transformarem em pão. Bem, se o desejo por comida não é pecado e se Jesus era poderoso para fazer com que pedras se transformassem em pães, qual o problema de ele mandar isso acontecer? É tentação querer comer pão para matar a fome?

É preciso olhar o texto com atenção. O diabo está questionando: “Se és Filho de Deus, manda estas pedras se transformarem em pães”. Percebeu o que está acontecendo aqui? Se você notar os versículos anteriores, verá que ao ser batizado Jesus ouviu a voz do Pai, vinda do céu, que dizia: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3.17). O que o diabo está colocando em dúvida aqui é a Palavra de Deus. Se Jesus aceitasse a sugestão de mandar que pedras se transformassem em pães, estaria claro que ele não confiava no que o Pai já havia dito acerca dele. Para ter o seu desejo lícito satisfeito ele teria de duvidar que era mesmo o Filho de Deus, pecando para conseguir o pão. Isto explica a resposta de Jesus, citando um texto do AT: “Está escrito: Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus” (Mt 4.4).

Jesus não se deixou dominar pelo desejo, colocando Deus à prova a fim de conseguir o pão, mas afirmou que estava bem certo de sua filiação. O fato de ter ou não o pão, não mudaria a verdade revelada por seu Pai. Quando o diabo deixou a Jesus, os anjos de Deus o serviram (Mt 4.11).

Até aqui vimos que há coisas lícitas que podem ser desejadas e satisfeitas, mas que quando você peca para obtê-las (ou peca porque não as conseguiu), significa que elas estão dominando o seu coração e elas se tornaram um mau desejo.

Além disso, está claro nas Escrituras que há desejos que são maus em si mesmos. Biblicamente, não existe a possibilidade de se desejar algo que seja contrário à Lei de Deus, sem que isso já seja considerado pecado pelo Senhor. O sermão do monte traz vários exemplos disso. Em seu ensino, Jesus deixou claro que matar é pecado, mas que o simples desejo de matar, no coração, expresso em ira pecaminosa, já constitui homicídio diante de Deus (Mt 5.21-26).

Quando ele trata do adultério, a questão fica ainda mais clara. Para os fariseus, o adultério estava somente no ato consumado, mas Jesus vai além e diz: “qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela” (Mt 5.27). É preciso pensar um pouco a respeito do que está sendo ensinado aqui. O desejo sexual não é pecaminoso em si. Sendo o homem constituído para crescer, multiplicar e encher a terra, tal desejo é natural nele.

Entretanto, há um limite bem estabelecido pelo Senhor para a satisfação do desejo sexual. Este desejo só pode ser satisfeito de forma correta e piedosa dentro do casamento, tal qual estabelecido pelo Senhor: (1) um homem e (1) uma mulher. Qualquer tipo de satisfação sexual que não esteja dentro da relação pactual do casamento é pecado. Assim, apesar de um homem poder desejar um casamento, ele não pode desejar a mulher do próximo ou outra mulher que não seja a sua (Lv 20.10-12), não pode desejar se deitar com outro homem como se fosse mulher (Lv 20.13), tampouco pode se ajuntar com um animal (Lv 20.15).

Sei que aqui alguém pode questionar apontando para o fato de que o que está relatado em Levítico não é apenas o desejo, mas a consumação do ato. Eu digo que sim, isto é verdade! Mas pense no que está descrito aqui à luz do ensino do Senhor Jesus Cristo em Mateus 5. Se o desejo entre um homem e uma mulher (que é biblicamente lícito) é pecado quando ocorre fora do limite do casamento, ainda que seja desejado apenas no coração (o olhar com intenção impura), por que não seria também pecado o desejo por alguém do mesmo sexo, que é biblicamente ilícito, ainda que somente no pensamento?

Desta forma:

O desejo por coisas lícitas não é pecado – Não há problema em um homem desejar ter relações sexuais com uma mulher e buscar satisfação deste desejo no casamento.

O desejo por coisas lícitas se torna pecado quando domina o homem e ele peca para conseguir o que quer, ou por não ter conseguido o que quer – Tanto é pecado um homem desejar relações sexuais com uma mulher fora do casamento, quanto consumar tal ato (Mt 5.27; 1Co 6.12).

O desejo por coisas ilícitas é pecaminoso em si, ainda que não levado à cabo – Tanto o desejo de ter relações com pessoas do mesmo sexo, quanto a consumação deste ato é errado.

Os que advogam a existência de uma identidade homossexual não estão levando em conta:

1. Que a queda tornou o homem inclinado a todo o mal;

2. Que “todo pecado, tanto o original [imputado a todos] como o atual [cometido por todos], sendo transgressão da justa lei de Deus e a ela contrária, torna, pela sua própria natureza, culpado o pecador e por esta culpa está sujeito à ira de Deus e à maldição da lei, e, portanto, sujeito à morte com todas as misérias espirituais, temporais e eternas” (CFW VI-6);

3. Que a salvação em Cristo faz com que o homem se torne uma nova criatura e, vivificado por Cristo, ele pode agora, no poder do Espírito Santo mortificar os desejos e feitos da carne.

Assumir que existam “cristãos gays” ou “cristãos lgbt+” é negar a obra de santificação progressiva operada pelo Senhor na vida dos seus filhos, obra que os torna dia após dia menos parecidos com Adão e mais parecidos com Cristo. Apesar das lutas contra o pecado, o Senhor está formando em seus filhos do caráter do seu Filho Eterno.

Outra questão importante. Quando se fala em um “cristão gay”, parte-se do princípio de que a homossexualidade é parte integrante da identidade da pessoa. Entretanto, quando a Escritura chama o pecador pelo nome do seu pecado, significa que ali está alguém que “vive na prática do pecado” (1Jo 3.9), logo, alguém que não é nascido de Deus. É por conta disso que Paulo afirma que os “injustos não herdarão o reino de Deus”, e continua dizendo, “não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores herdarão o reino de Deus” (1Co 6.9-10).

Após descrever que estes que vivem na prática do pecado não herdarão o reino, o apóstolo aponta para obra de Cristo que os livra da escravidão do pecado: “Tais fostes alguns de vós; mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus” (1Co 6.11).

Portanto, é uma falácia falar em cristão lgbt. Tão falacioso quanto falar em cristão adúltero, cristão ladrão, cristão mentiroso, etc. A obra de Cristo torna o pecador santo. Ele luta contra o pecado, mas não pode mais ser identificado por ele, pois, “se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” (2Co 5.17).

[1] Wanson, J. (1997). Dicionário de línguas bíblicas com domínios semânticos: hebraico (Antigo Testamento) (ed. Eletrônico). Oak Harbor: Logos Research Systems, Inc.


24 junho 2022

Invista mais tempo na palavra de Deus

Por John Piper 

Somos árvores que produzem frutos, e não trabalhadores que colhem frutos. Na linguagem de Paulo, o fruto é o fruto do Espírito, não as obras da lei. O que diz Salmos 100.3? Vamos ler. “Ele é como…” De quem ele está falando? Daquele que medita na lei do Senhor dia e noite e encontra prazer na verdade a respeito de Deus, do homem e da vida que vem por intermédio da instrução de Deus. “Ele é como árvore… plantada junto a corrente de águas, que, no devido tempo, dá o seu fruto, e cuja folhagem não murcha; e tudo quanto ele faz será bem-sucedido.” 

É completamente essencial que entendamos que a vida cristã deve produzir frutos. Não se trata de colher frutos. Não somos meros trabalhadores, somos árvores! Estamos plantados junto a correntes de água. Nossa vida vem de um Rio, de uma Fonte, e os frutos surgem e se desenvolvem enquanto vivemos por meio do Rio. É assim que se deve combater. O combate não deve ser legalista. Não faça uma lista. Por exemplo, não sou ímpio, não sou pecador, não sou zombador, sigo minha lista e, quando vier a tentação, basta segui-la. Não é assim que funciona. 

Salmos 100.3 afirma que, em vez disso, quando você vai até a palavra, e você contempla Deus diante de você em seus caminhos, obras e fidelidade, é como se você firmasse raízes até encontrar uma fonte de água da qual pode obter vida. Seus pensamentos e sentimentos mudam, e você passa a produzir frutos. Se os frutos não são produzidos, você não deve se arrancar dali para ir a uma loja de frutas. Você deve confiar na Fonte que está bem ali. Não é algo mecânico ou automático. O modo pelo qual a Fonte produz frutos não é automático. A conexão entre minhas raízes e a fonte da verdade de Deus que produz vida nos salmos é a meditação. 

Aprenda a fazer isso, aprenda a se demorar na leitura do Salmo 23, que quase todos conhecem; invista tempo nele, ore o salmo, mergulhe nele, faça o que for, não deixe para lá, como Jacó não deixou o anjo até que o abençoasse. Até que transforme e afete você pela manhã. Não leia com pressa, como em uma corrida. O que é isso? O diabo conhece toda a Bíblia e tentou usá-la contra Jesus. É investir tempo, amar a palavra, implorando ao Senhor que abra os olhos do coração, que o faça temer o nome do Senhor, que incline seu coração para os testemunhos do Senhor, que molde, transforme e satisfaça você. 

Não abra mão até ver a mudança. Abre os meus olhos, Deus! Essa é a conexão com a água. Esse é o combate. Eu preciso ter um outro conjunto de prazeres, ou serei como os ímpios, como a palha que o vento dispersa. A vida simplesmente vai me levar. A internet vai me cativar, a televisão terá minha atenção… Eu vou morder a isca e serei levado. A batalha acontece no nível das emoções. Minhas raízes devem alcançar a Fonte da água da vida. 


12 março 2022

É pecado querer morrer?

Por John Piper 

É pecaminoso desejar a morte como uma fuga da dor deste mundo e como uma fuga da dor causada por nossa própria pecaminosidade? Marissa, uma ouvinte do podcast, foi muito corajosa para fazer esta pergunta.

“Caro pastor John. É um pecado desejar ir para casa? Tenho 31 anos agora, e minha vida está arruinada. Temo pelo resto da minha vida. Por causa de meus pecados, perdi todos que mais amava (sim, todos mesmo). Sinto que minhas péssimas escolhas não poderão ser redimidas enquanto eu estiver aqui na Terra, apesar de ter me arrependido e confessado meus pecados. Estou aterrorizada com o que me espera, inclusive ter de ficar sozinha até morrer devido a um divórcio (que eu não quero, mas causei) e nunca ter a bênção de formar uma família. É pecado querer ir para casa e estar com Jesus? Seus ensinos estão entre as poucas coisas que me mantém viva.” 

Pastor John, o que o senhor diria a Marissa?

Anseio por Cristo

Marissa, permita-me fornecer o que creio ser uma resposta bíblica geral para sua pergunta, e então vou destacar sua situação específica, assim espero, com algumas palavras de esperança. A resposta bíblica geral é que não é pecado desejar o céu ou a presença de Cristo com um sentimento de desânimo com relação ao pecado, às tristezas deste mundo e de nossas vidas. Na verdade, eu diria que quanto mais conhecemos a real condição deste mundo, mais lamentamos a corrupção ainda existente em nossos próprios corações, e mais natural será desejar o céu ou a Cristo.

Lembre-se da letra de um hino chamado “Vem, ó fonte”:

Ah, no dia em que, livre do pecado,
O teu rosto amoroso verei,
Com vestes lavadas no sangue
Tua soberana graça cantarei.
Vem, meu Senhor, não te demores,
Tuas promessas minh’alma almeja,
Sei que teu poder me guardará
Até que em casa contigo esteja.

Quando Robert Robinson escreveu essa estrofe de “Vem, ó fonte” 150 anos atrás, ele não tinha nenhuma instabilidade mental. Ele estava cheio do Espírito Santo, cheio de graça, de sabedoria e anseio, um anseio que todos os santos compartilham. Pelo que ansiamos? Ansiamos pelo dia em que seremos livres do pecado. O que mais queremos nesta vida é ser livre da desonra a Deus por causa do nosso próprio pecado. Existem lutas e dor neste mundo, mas o que mais nos traz lamento neste mundo é o pecado em nossa própria alma.

Uma casa muito melhor

Paulo expressa essa ideia mais de uma vez. “Tendo o desejo de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor. Mas, por vossa causa, é mais necessário permanecer na carne. E, convencido disto, estou certo de que ficarei e permanecerei com todos vós, para o vosso progresso e gozo da fé” (Filipenses 1.23-25).

E aqui novamente: “Temos, portanto, sempre bom ânimo, sabendo que, enquanto no corpo, estamos ausentes do Senhor; visto que andamos por fé e não pelo que vemos. Entretanto, estamos em plena confiança, preferindo deixar o corpo e habitar com o Senhor. É por isso que também nos esforçamos, quer presentes, quer ausentes, para lhe sermos agradáveis” (2 Coríntios 5.6-9).

Aí está, tudo muito claro. Essa é a resposta bíblica, Marissa. Em geral, desejar estar em casa com o Senhor não é um pecado. É algo bíblico e saudável.

Por fé, não pelo que se vê

A razão pela qual afirmo que essa é a resposta geral é que posso imaginar uma situação em que seria pecado desejar morrer para estar com Jesus. Você percebeu que, tanto em Filipenses 1 quanto em 2 Coríntios 5, Paulo sabia que voltar para casa e estar com Jesus ainda não era a vontade de Deus para ele? Ele recebeu isso das mãos de Deus confiando que Deus lhe daria a força e a graça para a vida que não era sua principal escolha.

Com relação à vida que ele teria ao continuar nesta terra, ele disse: “Estou certo de que ficarei e permanecerei com vocês, embora minha primeira escolha seja partir e estar com o Senhor” (veja Filipenses 1.23–25). A chave se encontra em 2 Coríntios 5, onde ele diz: “Andamos por fé e não pelo que vemos” (2 Coríntios 5.7).

Isso me traz à sua situação, Marissa. Quero encorajar você, e afirmo que a ruína e o medo que você tem diante de si para o resto da sua vida não é a realidade. No mínimo, não precisa ser. Aqui estão algumas de suas frases principais; elas são muito desoladoras: “Minha vida está arruinada.” “Temo pelo resto da minha vida.” “Sinto que minhas péssimas escolhas não poderão ser redimidas enquanto eu estiver aqui na Terra.” “Estou aterrorizada com o que me espera.” Mas o que Jesus diria ao ver você falando isso? Você fala de acordo com a fé ou de acordo com o que se vê?

Vivemos por fé, não pelo que se vê. Falar dessa forma é falar de acordo com a fé ou de acordo com o que se vê? Marissa, Jesus está te chamando a andar por fé e não pelo que se vê. Concordo que, pelo que você pode ver com seus olhos físicos, o futuro parece sem esperança, assustador e irremediável. É verdade, parece mesmo. Mas você não precisa viver dessa maneira.

Promessas para a caminhada

Andamos por fé, não pelo que se vê. Isso é incrível. Lembre-se do que Paulo disse sobre si mesmo. Ele disse isso da mesma forma que você está dizendo: “…preferindo deixar o corpo e habitar com o Senhor” (2 Coríntios 5.8). Ele não era cego. Ele sabia que o futuro dele nesta terra seria cheio de tristeza e dor. Observe o trecho de Atos 20.23: “O Espírito Santo, de cidade em cidade, me assegura que me esperam cadeias e tribulações” (Atos 20.23).

Para Paulo, não era uma possibilidade, era certeza. É, Paulo, a dor vem aí. Até que você seja decapitado, é o que virá. Quando for martirizado, ele não deixará uma vida de conforto. Ele deixará uma vida de miséria.

Ele não tinha perspectiva de se aposentar e ter uma vida fácil. Ele morreria por Cristo em meio a aflições, não em meio ao conforto. Isso foi o que ele viu com os olhos da carne, mas com os olhos da fé, ele viu milagres sendo realizados nele e por meio dele. Ele disse: “Também nos esforçamos, quer presentes, quer ausentes, para lhe sermos agradáveis” (2 Coríntios 5.9).

Aqui está uma promessa para você, Marissa. Creio que Deus me deu essa palavra para você:

Se abrires a tua alma ao faminto e fartares a alma aflita, então, a tua luz nascerá nas trevas, e a tua escuridão será como o meio-dia. O Senhor te guiará continuamente, fartará a tua alma até em lugares áridos e fortificará os teus ossos; serás como um jardim regado e como um manancial cujas águas jamais faltam. (Isaías 58.10–11)

Darei na minha casa e dentro dos meus muros, um memorial e um nome melhor do que filhos e filhas; um nome eterno darei a cada um deles, que nunca se apagará. (Isaías 56.5)

Sim, Marissa, anseie pelo céu, anseie por Cristo e pelo dia em que não mais pecaremos. Mas confie nas promessas dele agora, como Paulo fez quando enfrentou um futuro doloroso, andando pela fé, não pelo que se vê. A promessa de Deus para você é fruto em meio a essa tristeza.