Por Milton Jr. Recentemente as redes sociais reacenderam uma discussão acerca da homossexualidade, no mínimo, complicada. Alguns têm defendido que não há problema com o desejo sexual pelo mesmo sexo, desde que não haja a consumação do ato. Ou seja, alguém pode continuar tendo desejos homossexuais sem crise na consciência, desde que se mantenha celibatário.
Para compreender esta questão corretamente é preciso olhar para o ensino bíblico acerca dos desejos e da tentação.
Deus fez o homem com a capacidade de desejar. Existem inúmeras coisas lícitas de se desejar, algumas, inclusive, estimuladas pela Escritura. O desejo pelo episcopado, por exemplo, é chamado de excelente por Paulo (1Tm 3.1). Pedro exorta os cristãos a desejarem ardentemente o genuíno leite espiritual (1Pe 2.2).
Entretanto, até mesmo bons desejos podem se tornar maus. Você aprende isso com Paulo, quando ele afirma que “todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas” (1Co 6.12). Algo semelhante foi dito pelo Senhor a Caim: “o seu desejo será contra ti, mas cumpre a ti dominá-lo” (Gn 4.7b). A razão para esta ordem para dominar o desejo em vez de ser dominado por ele havia sido apresentada anteriormente pelo Senhor: “Eis que o pecado jaz à porta” (Gn 4.7a) . O verbo traduzido por jazer neste texto traz a ideia de “estar em uma posição deitada, descansando, mas pronto para a ação”[1].
Isto lembra a dinâmica do pecado, conforme ensinada por Tiago. O homem é tentado pelo seu desejo, quando atraído e seduzido, ou seja, quando fisgado pelo desejo (Tg 1.14).
Diante disso, podemos afirmar que não há problema com o desejo legítimo (lícito), a não ser que você, dominado por eles, peque para conseguir o que tanto deseja. A tentação se dá quando você está diante da possibilidade de pecar em nome do seu desejo.
Mateus narra o episódio em que Jesus foi tentado pelo diabo. Após jejuar 40 dias ele teve fome. O desejo por comida é natural e não é pecaminoso em si. O diabo aparece e instiga Jesus a mandar as pedras se transformarem em pão. Bem, se o desejo por comida não é pecado e se Jesus era poderoso para fazer com que pedras se transformassem em pães, qual o problema de ele mandar isso acontecer? É tentação querer comer pão para matar a fome?
É preciso olhar o texto com atenção. O diabo está questionando: “Se és Filho de Deus, manda estas pedras se transformarem em pães”. Percebeu o que está acontecendo aqui? Se você notar os versículos anteriores, verá que ao ser batizado Jesus ouviu a voz do Pai, vinda do céu, que dizia: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3.17). O que o diabo está colocando em dúvida aqui é a Palavra de Deus. Se Jesus aceitasse a sugestão de mandar que pedras se transformassem em pães, estaria claro que ele não confiava no que o Pai já havia dito acerca dele. Para ter o seu desejo lícito satisfeito ele teria de duvidar que era mesmo o Filho de Deus, pecando para conseguir o pão. Isto explica a resposta de Jesus, citando um texto do AT: “Está escrito: Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus” (Mt 4.4).
Jesus não se deixou dominar pelo desejo, colocando Deus à prova a fim de conseguir o pão, mas afirmou que estava bem certo de sua filiação. O fato de ter ou não o pão, não mudaria a verdade revelada por seu Pai. Quando o diabo deixou a Jesus, os anjos de Deus o serviram (Mt 4.11).
Até aqui vimos que há coisas lícitas que podem ser desejadas e satisfeitas, mas que quando você peca para obtê-las (ou peca porque não as conseguiu), significa que elas estão dominando o seu coração e elas se tornaram um mau desejo.
Além disso, está claro nas Escrituras que há desejos que são maus em si mesmos. Biblicamente, não existe a possibilidade de se desejar algo que seja contrário à Lei de Deus, sem que isso já seja considerado pecado pelo Senhor. O sermão do monte traz vários exemplos disso. Em seu ensino, Jesus deixou claro que matar é pecado, mas que o simples desejo de matar, no coração, expresso em ira pecaminosa, já constitui homicídio diante de Deus (Mt 5.21-26).
Quando ele trata do adultério, a questão fica ainda mais clara. Para os fariseus, o adultério estava somente no ato consumado, mas Jesus vai além e diz: “qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela” (Mt 5.27). É preciso pensar um pouco a respeito do que está sendo ensinado aqui. O desejo sexual não é pecaminoso em si. Sendo o homem constituído para crescer, multiplicar e encher a terra, tal desejo é natural nele.
Entretanto, há um limite bem estabelecido pelo Senhor para a satisfação do desejo sexual. Este desejo só pode ser satisfeito de forma correta e piedosa dentro do casamento, tal qual estabelecido pelo Senhor: (1) um homem e (1) uma mulher. Qualquer tipo de satisfação sexual que não esteja dentro da relação pactual do casamento é pecado. Assim, apesar de um homem poder desejar um casamento, ele não pode desejar a mulher do próximo ou outra mulher que não seja a sua (Lv 20.10-12), não pode desejar se deitar com outro homem como se fosse mulher (Lv 20.13), tampouco pode se ajuntar com um animal (Lv 20.15).
Sei que aqui alguém pode questionar apontando para o fato de que o que está relatado em Levítico não é apenas o desejo, mas a consumação do ato. Eu digo que sim, isto é verdade! Mas pense no que está descrito aqui à luz do ensino do Senhor Jesus Cristo em Mateus 5. Se o desejo entre um homem e uma mulher (que é biblicamente lícito) é pecado quando ocorre fora do limite do casamento, ainda que seja desejado apenas no coração (o olhar com intenção impura), por que não seria também pecado o desejo por alguém do mesmo sexo, que é biblicamente ilícito, ainda que somente no pensamento?
Desta forma:
O desejo por coisas lícitas não é pecado – Não há problema em um homem desejar ter relações sexuais com uma mulher e buscar satisfação deste desejo no casamento.
O desejo por coisas lícitas se torna pecado quando domina o homem e ele peca para conseguir o que quer, ou por não ter conseguido o que quer – Tanto é pecado um homem desejar relações sexuais com uma mulher fora do casamento, quanto consumar tal ato (Mt 5.27; 1Co 6.12).
O desejo por coisas ilícitas é pecaminoso em si, ainda que não levado à cabo – Tanto o desejo de ter relações com pessoas do mesmo sexo, quanto a consumação deste ato é errado.
Os que advogam a existência de uma identidade homossexual não estão levando em conta:
1. Que a queda tornou o homem inclinado a todo o mal;
2. Que “todo pecado, tanto o original [imputado a todos] como o atual [cometido por todos], sendo transgressão da justa lei de Deus e a ela contrária, torna, pela sua própria natureza, culpado o pecador e por esta culpa está sujeito à ira de Deus e à maldição da lei, e, portanto, sujeito à morte com todas as misérias espirituais, temporais e eternas” (CFW VI-6);
3. Que a salvação em Cristo faz com que o homem se torne uma nova criatura e, vivificado por Cristo, ele pode agora, no poder do Espírito Santo mortificar os desejos e feitos da carne.
Assumir que existam
“cristãos gays” ou
“cristãos lgbt+” é negar a obra de santificação progressiva operada pelo Senhor na vida dos seus filhos, obra que os torna dia após dia menos parecidos com Adão e mais parecidos com Cristo. Apesar das lutas contra o pecado, o Senhor está formando em seus filhos do caráter do seu Filho Eterno.
Outra questão importante. Quando se fala em um
“cristão gay”, parte-se do princípio de que a homossexualidade é parte integrante da identidade da pessoa. Entretanto, quando a Escritura chama o pecador pelo nome do seu pecado, significa que ali está alguém que “vive na prática do pecado” (1Jo 3.9), logo, alguém que não é nascido de Deus. É por conta disso que Paulo afirma que os “injustos não herdarão o reino de Deus”, e continua dizendo, “não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores herdarão o reino de Deus” (1Co 6.9-10).
Após descrever que estes que vivem na prática do pecado não herdarão o reino, o apóstolo aponta para obra de Cristo que os livra da escravidão do pecado: “Tais fostes alguns de vós; mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus” (1Co 6.11).
Portanto, é uma falácia falar em cristão lgbt. Tão falacioso quanto falar em cristão adúltero, cristão ladrão, cristão mentiroso, etc. A obra de Cristo torna o pecador santo. Ele luta contra o pecado, mas não pode mais ser identificado por ele, pois, “se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” (2Co 5.17).
[1] Wanson, J. (1997). Dicionário de línguas bíblicas com domínios semânticos: hebraico (Antigo Testamento) (ed. Eletrônico). Oak Harbor: Logos Research Systems, Inc.