29 outubro 2021

Rememorando a Reforma – Reflexão Bíblica

1 Pedro 1.22—2.10 

Introdução 

Dentro de alguns anos, será comemorado o 500º aniversário da Reforma do Século XVI*. Com tantas mudanças que o mundo experimentou nestes últimos cinco séculos, seria o caso de nos perguntarmos: Terá ainda razão de ser o nosso movimento? Justifica-se ainda o protestantismo?

A realidade nos mostra que, passados tantos anos, as verdades fundamentais e solenes redescobertas pelos reformadores continuam sendo desprezadas, tanto fora quanto dentro do movimento evangélico. Podemos exemplificar isso com um dos grandes princípios acentuados pela Reforma: “Solus Christus” ou a plena centralidade e exclusividade de Cristo como único e suficiente Salvador, o único mediador entre Deus e a humanidade.

A Igreja contra a qual se insurgiram os reformadores continua hoje, quase meio milênio mais tarde, a negar a Cristo um lugar exclusivo na fé, no culto e na devoção dos seus fiéis. Por causa da ênfase antibíblica no culto a Maria e aos santos, Jesus Cristo ocupa um lugar inteiramente secundário na vida e devoção de milhões de brasileiros que se dizem cristãos.

Mas as antigas verdades essenciais recuperadas pelos reformadores também têm sido ignoradas dentro das igrejas evangélicas. Se os reformadores voltassem à terra hoje, ficariam chocados com certas doutrinas e práticas correntes entre os evangélicos e com a sua falta de entusiasmo pelas importantes convicções redescobertas no século XVI.

Essas razões já são suficientes para justificar a atual relevância e necessidade da obra restauradora realizada pelos pioneiros da Reforma. Um aspecto interessante desses pioneiros é o fato de que eles, embora compartilhassem os mesmos princípios, tiveram diferentes experiências, que os levaram também a diferentes ênfases nos princípios que defenderam.

Gostaríamos de ilustrar três desses princípios através da experiência de três grupos reformados, tomando como ponto de partida os capítulos iniciais da primeira carta de Pedro. Nessa carta, o apóstolo lembra aos cristãos da Ásia Menor os fatos centrais da sua fé (1.3-12) e suas implicações para a vida (1.13-17). Em seguida, ele fala sobre as conseqüências disso para a sua identidade como grupo, como povo de Deus (1.22—2.10). Vemos nessa passagem três grandes ênfases da Reforma.

1. Graça e Fé

O fundamento da vida cristã é o fato de que somos salvos pela graça de Deus, recebida por meio da fé. Deus nos amou, por isso nos deu seu Filho; crendo nesse amor e nesse Filho, somos salvos. Essa é uma das ênfases mais importantes do capítulo inicial de 1 Pedro, especialmente nos versos 18-21, mas também em vários outros versículos. Esse ponto reúne três grandes princípios esposados pelos reformadores: “solus Christus”, “sola Gratia” e “sola Fide”. Embora não encontremos aqui uma referência explícita à justificação pela fé como nas cartas aos Romanos e aos Gálatas, ela é pressuposta em todo o contexto.

O reformador que teve uma experiência pessoal e profunda dessas verdades foi Martinho Lutero. Inicialmente, seu pai desejou que ele seguisse a carreira jurídica. Um dia, ao escapar por pouco da morte, fez um voto a “Santa Ana” de que entraria para a vida religiosa. Ingressou em um mosteiro agostiniano e pôs-se a lutar pela sua salvação, sem alcançar a paz interior que tanto almejava. Até que, ao estudar a Epístola aos Romanos, deparou-se como a promessa de que “o justo viverá pela fé” (Rm 1.17). Teve uma nova visão de Deus e da salvação. Esta já não era o alvo da vida, mas o seu fundamento. Essa nova convicção o levou a questionar a teologia medieval e a iniciar o movimento da Reforma.

Isso nos mostra a importância de uma vida de fé, na plena dependência da graça de Deus, mas também de uma vida de compromisso, que se manifesta na forma de frutos que honram a Deus.

2. A Palavra de Deus

A seção seguinte de 1 Pedro contém outra ênfase importante dos reformadores: a centralidade da Palavra de Deus (1.23-25). A Palavra de Deus é a mensagem que nos fala da graça de Deus e da redenção realizada por Cristo, e nos convida a crer nesse amor. Essencialmente, é o “evangelho” (verso 12), também descrito como a “verdade” (verso 22). Essa palavra ou evangelho é viva, permanente e eficaz porque é a própria “Palavra do Senhor”.

Se o item anterior nos faz pensar em Lutero, este nos lembra de modo especial João Calvino. Calvino não teve uma experiência dramática de conversão como Lutero. Sua experiência foi profunda, mas sem grandes lutas interiores. Ele mesmo pouco escreveu sobre o assunto, dizendo apenas que teve uma conversão repentina (“conversio súbita”). Mas desde o início esse reformador foi tomado por uma forte convicção acerca da majestade de Deus e da importância da sua palavra. Calvino foi, dentre todos os reformadores, aquele que mais energias dedicou a estudo e à exposição sistemática das Escrituras – nas Institutas, nos seus comentários bíblicos, em suas preleções e em seus sermões.

Nos seus escritos, Calvino insiste na suprema autoridade das Escrituras em matéria de fé e vida cristã (“sola Scriptura”). Essa autoridade decorre do fato de que Deus mesmo nos fala na sua Palavra. Ele faz uma distinção interessante entre Escritura e Palavra de Deus, ao dizer que é somente através da atuação do Espírito Santo que a Escritura é reconhecida pelo pecador como a Palavra de Deus viva e eficaz.

Esse ponto nos mostra a necessidade de obediência à Palavra do Senhor para vivermos uma vida cristã genuína e frutífera.

3. Sacerdócio Real

Finalmente, Pedro fala da grande dimensão comunitária da nossa fé. Unidos a Cristo e alimentados por sua Palavra (2.2-4), somos chamados a viver como edifício de Deus e como povo de Deus (2.5, 9). Nas duas referências, os cristãos são descritos como sacerdócio: “sacerdócio santo” e “sacerdócio real”. A conclusão é óbvia: todo cristão é um sacerdote. Não existe mais a distinção entre sacerdotes e “leigos” que havia no Antigo Testamento, mas agora todos têm acesso livre e direto acesso à presença de Deus, por meio de Cristo. Esse sacerdócio deve ser exercido principalmente em duas áreas: no culto e na proclamação. Todos os crentes podem e devem oferecer “sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo” (v. 5); todos os cristãos devem proclamar as virtudes daquele que o chamou das trevas para a sua maravilhosa luz (v. 9).

Os que conhecem alguma coisa sobre a Reforma reconhecem facilmente aqui o princípio do “sacerdócio universal dos fiéis”. Um grupo reformado que ilustra muito bem essa verdade foram os anabatistas. Todos os protestantes valorizaram o sacerdócio universal, mas ele foi especialmente importante para esse grupo incompreendido e horrivelmente perseguido que insistia que a Igreja devia ser uma associação voluntária de crentes, inteiramente separada do Estado e caracterizada pela mais plena igualdade e solidariedade entre todos. Uma bela aplicação do ensino de que todo cristão é um sacerdote de Deus.

Esse aspecto nos mostra a importância da comunhão cristã no corpo de Cristo. Como dizia a placa de uma igreja nos Estados Unidos: “Pastor: reverendo tal; ministros: todos os membros”.

Conclusão

A Reforma do Século XVI foi, mais que uma simples reforma, uma obra de restauração. Restauração de antigas verdades que haviam sido esquecidas ou obscurecidas ao longo dos séculos, e agora foram recuperadas. Essa obra deve continuar em cada geração, seguindo um lema dos reformadores: “Ecclesia reformata, semper reformanda” (igreja reformada, sempre se reformando).

Louvemos a Deus e honremos a memória dos nossos predecessores na fé resgatando esses valores e vivendo de acordo com os mesmos nos dias atuais. Tornemos nossa fé relevante para os nossos contemporâneos, sem fazer concessões que comprometam a pureza do evangelho de Cristo.

*No dia 31 de outubro de 2021 comemoramos o 504º aniversário da Reforma Protestante

Fonte: CPAJ

19 julho 2021

O Zelo de Deus por Sua própria Glória

Por John Piper 

Provavelmente nenhum texto na Bíblia revela mais explícita e claramente a paixão de Deus por sua própria glória que Isaías 48.9-11, onde Deus diz:

Por amor do meu nome retardarei a minha ira, e por amor do meu louvor me refrearei para contigo, para que te não venha a cortar. Eis que já te purifiquei, mas não como a prata; escolhi-te na fornalha da aflição. Por amor de mim, por amor de mim o farei, porque, como seria profanado o meu nome? E a minha glória não a darei a outrem.


Descobri que para muitas pessoas essas palavras vêm como seis marteladas, que destroem a maneira antropocêntrica de enxergar o mundo:

Por amor do meu nome!
Por amor do meu louvor!
Por amor de mim!
Por amor de mim!
Como seria profanado o meu nome?
E a minha glória não a darei a outrem.

O que esse texto martela em nós é a centralidade de Deus em suas próprias afeições. O coração mais apaixonado pela glorificação de Deus é o coração de Deus. O objetivo final de Deus é preservar e manifestar a glória de seu nome.

Deus escolhe seu povo para sua glória:

Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor; e nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor e glória da sua graça. (Efésios 1.4-6, cf. VV.12,14).

Deus nos criou para sua glória:

Trazei meus filhos de longe e minhas filhas das extremidades da terra. A todos os que são chamados pelo meu nome e os que criei para a minha glória. (Isaías 43.6-7)

Deus chamou Israel para sua glória:

Tu és meu servo; és Israel, aquele por quem hei de ser glorificado. (Isaías 49.3)

Eu liguei a mim toda a casa de Israel, e toda a casa de Judá, diz o SENHOR, para me serem por povo, e por nome, e por louvor, e por glória. (Jeremias 13.11)

Deus resgatou Israel do Egito para sua glória:

Nossos pais não entenderam as tuas maravilhas no Egito… antes o provocaram no mar, sim no Mar Vermelho. Não obstante, ele os salvou por amor do seu nome, para fazer conhecido o seu poder. (Salmo 106.7-8)

Deus levantou Faraó para manifestar seu poder e glorificar seu nome:

Porque diz a Escritura a Faraó: Para isto mesmo te levantei; para em ti mostrar o meu poder, e para que o meu nome seja anunciado em toda a terra. (Romanos 9.17)

Deus venceu Faraó no Mar Vermelho para manifestar sua glória:

E eu endurecerei o coração de Faraó, para que os persiga, e serei glorificado em Faraó e em todo o seu exército, e saberão os egípcios que eu sou o SENHOR… E os egípcios saberão que eu sou o SENHOR, quando for glorificado em Faraó, nos seus carros e nos seus cavaleiros. (Êxodo 14.4,18; cf. v.17)

Deus manteve Israel no deserto para glória de seu nome:

O que fiz, porém, foi por amor do meu nome, para que não fosse profanado diante dos olhos dos gentios perante a vista dos quais os fiz sair. (Ezequiel 20.14)

Deus deu a Israel vitória em Canaã para a glória de seu nome:

E quem há como o teu povo, como Israel, gente única na terra, a quem Deus foi resgatar para seu povo, para fazer-te nome, e para fazer-vos estas grandes e terríveis coisas à tua terra, diante do teu povo, que tu resgataste do Egito, desterrando as nações e a seus deuses? (2 Samuel 7.23)

Deus não espalhou seu povo para a glória de seu nome:

Não temais; vós tendes cometido todo este mal; porém não vos desvieis de seguir ao SENHOR… Pois o SENHOR, por causa do seu grande nome não desamparará o seu povo. (1 Samuel 12.20,22)

Deus salvou Jerusalém de ataques para glória de seu nome:

Porque eu ampararei a esta cidade, para a livrar, por amor de mim e por amor do meu servo Davi. (2 Reis 19.34; cf. 20.6)

Deus restaurou Israel do exílio para glória de seu nome:

Assim diz o Senhor DEUS: Não é por respeito a vós que eu faço isto, ó casa de Israel, mas pelo meu santo nome… E eu santificarei o meu grande nome… E os gentios saberão que eu sou o SENHOR. (Ezequiel 36.22-23; cf. v.32)

Jesus procurou a glória de seu Pai em tudo que ele fez:

Quem fala de si mesmo busca a sua própria glória; mas o que busca a glória daquele que o enviou, esse é verdadeiro, e não há nele injustiça. (João 7.18)

Jesus nos disse para fazer boas obras, a fim de que Deus receba a glória:

Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus. (Mateus 5.16; cf. 1 Pedro 2.12)

Jesus advertiu que não buscar a glória de Deus torna impossível a fé:

Como podeis vós crer, recebendo honra uns dos outros, e não buscando a honra que vem só de Deus? (João 5.44)

Jesus disse que ele responde a oração para que o Pai seja glorificado:

E tudo quanto pedirdes em meu nome eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho. (João 14.14)

Jesus suportou suas horas finais de sofrimento para a glória de Deus:

Agora a minha alma está perturbada; e que direi eu? Pai, salva-me desta hora; mas para isto vim a esta hora. Pai, glorifica o teu nome. Então veio uma voz do céu que dizia: Já o tenho glorificado, e outra vez o glorificarei. (João 12.27-28)

Jesus falou assim e, levantando seus olhos ao céu, disse: Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que também o teu Filho te glorifique a ti. (João 17.1; cf. 13.31-32)

Deus deu seu Filho para vindicar a glória de sua justiça:

Deus propôs [Cristo] para propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justiça… Para demonstração da sua justiça neste tempo presente. (Romanos 3.25-26)

Deus nos perdoa de nosso pecados por amor de si mesmo:

Eu, eu mesmo, sou o que apago as tuas transgressões por amor de mim, e dos teus pecados não me lembro. (Isaías 43.25)

Por amor do teu nome, SENHOR, perdoa a minha iniquidade, pois é grande. (Salmo 25.11)

Jesus nos recebe em comunhão para a glória de Deus:

Portanto recebei-vos uns aos outros, como também Cristo nos recebeu para glória de Deus. (Romanos 15.17)

O ministério do Espírito Santo é glorificar o Filho de Deus:

Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu, e vo-lo há de anunciar. (João 16.14)

Deus nos instrui a fazer tudo para sua glória:

Portanto, quer comais quer bebais, ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus. (1 Coríntios 10.31; cf. 6.20)

Deus nos diz que sirvamos de uma forma que o glorificará:

Se alguém falar, fale segundo as palavras de Deus; se alguém administrar, administre segundo o poder que Deus dá; para que em tudo Deus seja glorificado por Jesus Cristo, a quem pertence a glória e poder para todo o sempre. Amém. (1 Pedro 4.11)

Jesus nos completará com frutos de justiça para a glória de Deus:

E peço isto… [que vocês sejam] Cheios dos frutos de justiça, que são por Jesus Cristo, para glória e louvor de Deus. (Filipenses 1.9,11)

Todos estão sob julgamento por desonrar a glória de Deus:

Tornaram-se loucos e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis. (Romanos 1.22,23)

Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus. (Romanos 3.23)

Herodes foi ferido mortalmente porque não deu glória a Deus:

E no mesmo instante feriu-o o anjo do Senhor, porque não deu glória a Deus. (Atos 12.23)

Jesus está vindo novamente para a glória de Deus:

Os quais, por castigo, padecerão eterna perdição, ante a face do Senhor e a glória do seu poder, quando vier para ser glorificado nos seus santos, e para se fazer admirável naquele dia em todos os que creem. (2 Tessalonicenses 1.9-10)

O alvo final de Jesus para nós é que vejamos e desfrutemos de sua glória:

Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estiver, também eles estejam comigo, para que vejam a minha glória que me deste; porque tu me amaste antes da fundação do mundo. (João 17.24)

Mesmo em ira, o alvo de Deus é fazer conhecido o poder de sua glória:

Querendo [Deus] mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição; para que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou. (Romanos 9.22,23)

O plano de Deus é encher a terra com o conhecimento de sua glória:

Porque a terra se encherá do conhecimento da glória do SENHOR, como as águas cobrem o mar. (Habacuque 2.14)

Tudo o que acontece redundará na glória de Deus:

Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém. (Romanos 11.36)

Na Nova Jerusalém a glória de Deus substitui o sol:

E a cidade não necessita de sol nem de lua, para que nela resplandeçam, porque a glória de Deus a tem iluminado, e o Cordeiro é a sua lâmpada. (Apocalipse 21.23).


13 março 2021

Por que ler biografias para nossos filhos?

Ana Mendes 

“— Mamãe, só mais uma história?” É o pedido daqueles olhinhos curiosos e semiabertos de tanto sono. Quase todas as noites o alvoroço começa quando nos achegamos no sofá ou em nossa cama para contarmos histórias. Eles se aconchegam, sorriem, imaginam e sempre pedem por mais.

Lembro de quando eu era pequena e fui a uma EBF (Escola Bíblica de Férias). Ouvimos a história de Hudson Taylor, o grande missionário na China. Fiquei encantada com sua vida de oração e desprendimento material. Alguns meses atrás, essa mesma história de vida piedosa pôde ser ouvida por meus filhos, que privilégio!

Crianças amam histórias e creio que Deus também, pois ele mesmo escolheu lindas histórias para nos ensinar. Afinal, é em sua Palavra que conhecemos a Grande História, a história da redenção e essa grande história deve ser contada de geração em geração (Salmo 78).

A grande história da redenção é contada todos os dias em todas as nações, pois pessoas como eu, você e nossos filhos têm sido alcançadas e suas vidas mudadas, para escreverem novas histórias que vivificam nossa fé e nosso amor por Jesus Cristo.

Creio que as histórias são ferramentas didáticas para nos ensinarem e também a nossos filhos. E por que não usar essa ferramenta para criarmos oportunidades para compartilhar o evangelho e fortalecer a fé de nossos pequenos? Considere quatro motivos para lermos biografias para nossos filhos:

Porque Cristo transforma vidas para mostrar sua glória. 

O evangelho é real e nossos filhos precisam saber disso. O evangelho transforma vidas nos dias de hoje, transformou vidas no passado e transformará no futuro. O evangelho traz pessoas das trevas para luz e lhe dá uma razão para viver, encher a Terra com a glória de Cristo.

Ao ler as biografias de homens fiéis ao Senhor no passado, vemos que Cristo trabalha pelos seus. Jesus cumpre o que prometeu em sua palavra, de salvar pessoas e sustentar sua igreja para que a multiforme sabedoria de Deus se torne conhecida (Ef 3.10). Jesus Cristo, ontem e hoje é o mesmo e o será para sempre (Hb 13.8). Quanta esperança traz ao nosso coração ao ver a fidelidade de Deus.

Encoraja nossa fé e a fé dos nossos filhos. 

Grandes verdades sobre quem Deus é e seu desejo para nossas vidas são vistas e nos desafiam quando lemos as biografias.

Deus usa pessoas imperfeitas para expandir Seu reino. Gente como nós! Isso nos motiva a querermos ser usados por Deus. Não se limita àquela história distante, Deus pode e quer nos usar.

Ver homens e mulheres serem diligentes naquilo que Deus os confiou levantam perguntas de auto avaliação em nossa fé. Como tenho vivido, tenho sido fiel naquilo que ele tem me confiado?

Uma das coisas que mais me marcam nas biografias é a forma que esses missionários administram seu tempo, dinheiro, focam em sua missão de vida e perseveram na oração. São corajosos em buscar a piedade e isso nos dá aquele combustível para aprendermos com seus exemplos.

A leitura das biografias confronta nossos valores terrenos atuais com os valores celestiais e eternos. As biografias nos ensinam a olharmos para Aquele que é dono da nossa fé, Jesus.

Cria momentos de conversas com nossos filhos e tempo em família 

Hoje nós vivemos a vida de uma forma tão corrida que estamos nos esquecendo de viver a vida comum do lar. Não somos intencionais no cuidado da vida espiritual de nossos filhos. Não sabemos suas preferências, medos, preocupações e no que estão pensando. Vivemos de baixo do mesmo teto, mas estamos longe e surdos uns para com os outros.

Quando intencionalmente paramos para lermos juntos, valores estão sendo comunicados. O fato de todos juntos estarmos “amontoados” no sofá ou na cama enquanto um recebe um cafuné e outro está no colo, mostra um amor uns pelos outros, um cuidado e uma união. E eles amam momentos assim!

Quando lemos as histórias de homens e mulheres assim, podemos criar perguntas que os fazem pensar na sua vida com Deus: “— Você teria coragem de deixar seu país e ir falar de Jesus na China?” “— Olha como esses homens oravam a Deus, você acredita que Deus ouve e responde orações assim?” “— Mesmo diante das dificuldades esses homens não deixaram sua fé em Jesus. Por que você acha que eles fizeram isso?”

Grandes oportunidades de conversas são criadas quando lemos biografias e verdades podem ser ditas ao apresentar e explicar o evangelho. A leitura das biografias cria oportunidades para explicar a fé na prática. Grandes verdades teológicas são vistas em gente comum, aproximando-nos de uma vida poderosa no evangelho.

Traz uma empatia de caminhada com Cristo 

Ter uma caixa de lenço de papel ao lado, durante a leitura de biografias, é essencial. Muitas vezes, lágrimas corriam dos meus olhos ao ler essas histórias. E logo vinham as perguntas: “— Mãe, você está chorando? Por quê?” A resposta era simples, porque é lindo como Deus vai trabalhando na vida das pessoas para as tornarem parecidas com Cristo. E é assim que Deus está agindo em nossas vidas, não somos perfeitos, mas por sua graça, e por fé sabemos que ele está trabalhando em nossas vidas. Precisamos crescer em coragem, diligência, oração, generosidade e amor. Nossos filhos precisam ver que, como os missionários, também estamos caminhando com Cristo. Não somos perfeitos, mas juntos podemos olhar para aquele que é perfeito. E assim, vamos escrever nossa história para honra e glória dele.


21 fevereiro 2021

A Defesa de nossa Fé

“Defesa da fé” é uma das definições da apologética. No entanto, defender a fé não é tanto um exercício acadêmico, mas uma responsabilidade de todo cristão. A defesa da fé precisa ser vivida, não apenas estudada. Como? Lemos em 1 Pedro 3.15: "Santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós”.

Em primeiro lugar, defendemos nossa fé quando honramos ao Senhor em nosso coração. Precisamos temer e honrar o Senhor mais do que tememos e honramos pessoas ou ideias. A palavra do Senhor importa mais do que as palavras de homens e mulheres. A Bíblia diz: “A palavra do Senhor permanece eternamente” (1Pe 1.25). Quando o evangelho do nosso Senhor transforma nossa vida e, depois, nossos relacionamentos e comunidades, estamos defendendo nossa fé. Como observou William Edgar, a apologética é relevante a cada dia não por causa do nosso conhecimento sobre a nossa cultura, mas por causa das boas-novas do evangelho, que sempre são frescas e poderosas. Viver em obediência às Escrituras é viver em defesa da nossa fé.

Em segundo lugar, podemos viver defendendo nossa fé vivendo com esperança. Quando escreveu a um povo disperso e perseguido, Pedro supôs que os cristãos viveriam com tamanha esperança que as pessoas lhes perguntariam como e por quê. Hoje, essa esperança é contrária à autoajuda e ao desespero com os quais a maioria das pessoas vive, pois essa esperança não é uma mudança humana. Essa esperança é fé segura na revelação e ressurreição de Jesus Cristo, que traz consigo a promessa de uma grande herança. Os cristãos podem exultar: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos” (1Pe 1.3). Essa esperança é central ao significado de viver como cristão.

Em terceiro lugar, vivemos defendendo nossa fé quando estamos preparados para dar uma resposta. Pode ser uma resposta àqueles com quem conversamos ou, mais especificamente, àqueles que nos perguntam por que temos esperança. Muitas vezes, pensamos que isso exige muito estudo e muito conhecimento filosófico, cultural e de outras religiões, e esse conhecimento é possível e útil. Mas você não precisa disso antes de começar a defender sua fé; Pedro diz que devemos estar preparados para explicar a nossa esperança, não o nosso conhecimento (1Pe 1.13)! Mas estamos vivendo em diálogo com outros? Estamos usando a criação, a moralidade, o desejo, a beleza, os relacionamentos, a paternidade e a eternidade como temas de diálogo com outros, em que a nossa esperança (como informada pelas Escrituras) pode transparecer? Você está preparado para responder as perguntas: em quê você crê? Por que você crê nisso?

Em quarto lugar, defendemos nossa fé quando vivemos com ternura e temor, ou com mansidão e respeito. Quando nos defendemos, é fácil passar a atacar os outros. Pode existir um momento em que precisamos partir para a ofensiva contra ideias (2Co 10.5), mas precisamos nos lembrar de que não estamos defendendo a nós mesmos; estamos defendendo a esperança que temos em Cristo. Isso precisa ser feito com simpatia, uma postura respeitosa e uma consciência boa. Precisamos nos despir de toda malícia, engano, hipocrisia, inveja e calúnia (1Pe 2.1), até mesmo no contexto de perseguição e ódio. Contudo, é assim que devemos viver enquanto defendemos nossa fé (1Pe 2.13-19). “É melhor que sofrais por praticardes o que é bom do que praticando o mal”(1Pe 3.17).

Para tudo isso precisamos do dom do Espírito Santo em nós para que possamos honrar o Senhor e viver com esperança (Rm 15.13) e precisamos que ele opere por meio de nós para que possamos viver e defender nossa fé apropriadamente (Jo 15.26). Assim, ao refletir como você deve defender sua fé, pense sobre sua própria vida, não a vida de outros: Sua vida honra o Senhor? Sua vida brilha na esperança? Sua vida está preparada para se envolver com outros? Sua vida é vivida com mansidão e respeito?

Fonte: Bíblia de Estudo Herança Reformada

06 fevereiro 2021

Batismo de Crianças: Algumas Considerações

Augustus Nicodemus Lopes 

A prática de batizar os filhos dos cristãos vem desde os primórdios do cristianismo. Pais da Igreja, como Irineu (século II), se referem ao batismo infantil. Orígines (século IV) foi batizado quando criança. Hoje, milhares de cristãos evangélicos no mundo continuam a prática, embora alguns pais permitam que seus filhos sejam batizados apenas porque faz parte da tradição religiosa na qual nasceram. Para outros, o batismo é um ato pelo qual consagram seus filhos ao Senhor, com votos solenes de educá-los nos caminhos de Deus até, a idade da razão.

Evidentemente nem todos os evangélicos concordam que o batismo infantil seja a única maneira de se fazer isso. Muitos preferem apresentar seus filhos ao Senhor, sem batizá-los, pois acreditam que o batismo é somente para adultos que crêem. Porém, tanto os que batizam seus filhos, quanto os que os apresentam, têm um desejo só, de vê-los crescer nos caminhos do Evangelho, e, quando chegarem à idade própria, publicamente professar sua fé pessoal em Cristo Jesus.

Alguns me perguntam por que apresentei meus quatro filhos para serem batizados, quando cada um ainda não tinha mais que dois meses. Minha resposta é que acredito estar seguindo a tradição bíblica, que remonta ao tempo do Antigo Testamento, e que não foi abolida no Novo, de incluir os filhos dos fiéis na aliança de Deus com o seu povo. Batizei meus filhos crendo que, através desse rito iniciatório, eles passaram a fazer parte da Igreja visível de Cristo aqui na terra. Minha crença sé baseia no fato de que, quando Deus fez um pacto com Abraão, incluiu seus filhos na aliança, e determinou que fossem todos circuncidados (Gn. 17.1-14). A circuncisão, na verdade, era o selo da fé que Abraão tinha (ver Rm 4-3,11 com Gn 15.6), mas, mesmo assim, Deus determinou-lhe que circuncidasse Ismael e, mais tarde, Isaque, antes de completar duas semanas (Gn. 21.4). Abraão creu e o sinal da sua fé foi aplicado à Isaque, mesmo quando este ainda não podia crer como seu pai. Mais tarde, quando Moisés aspergiu com o sangue da aliança as tábuas da Lei dada por Deus, aspergiu também todo o povo presente no monte Sinai, incluindo obviamente as mães e seus filhos de colo (Hb 9.19-20).

Estou persuadido de que a Igreja cristã é a continuação da Igreja do Antigo Testamento. Símbolos e rituais mudaram, mas é a mesma Igreja, o mesmo povo. O Sábado tomou-se em Domingo, a Páscoa, em Ceia, e a circuncisão, em batismo. Os crentes são chamados de "filhos de Abraão" (Gl 3.7,29) e a Igreja de "o Israel de Deus" (Gl 6.16). Não é de se admirar que Paulo chame o batismo de "a circuncisão de Cristo" (Cl 2.11-11).

Foi uma grande alegria ter meus filhos batizados e vê-los, assim, receber o selo da fé que minha esposa e eu temos no Senhor Jesus. Deus sempre tratou com famílias (Dt 29.9-12), embora nunca em detrimento da responsabilidade individual. Assim, Deus mandou que Noé e sua família entrassem na arca (Gn. 7.1), chamou Abraão e sua família (Gn 12.1-3) e castigou Acã, Coré e suas famílias juntamente. Paulo, ao refletir sobre a história de Israel e ao mencionar a passagem dos israelitas pelo Mar Morto, diz que todo o povo foi batizado com Moisés, na nuvem e no mar inclusive as crianças, é claro, pois havia milhares delas (1 Co 10.1-4). Não é de se admirar, portanto, que Pedro, no dia de Pentecostes, ao chamar os ouvintes ao arrependimento, à fé em Cristo e ao batismo, disse-lhes que a promessa do Espírito Santo era para eles e para seus filhos (At 2.38-39). E não é de admirar que os apóstolos batizavam casas inteiras em suas viagens missionárias: Paulo batizou Lídia e toda sua casa (,At. 16.15), o carcereiro e todos os seus (At 16.3233), a casa de Estéfanas (1 Co 1.16). É verdade que não se mencionam crianças nessas passagens, mas o entendimento mais natural de "casa" e "todos os seus" é que se refira à família do que creu e fica difícil imaginar que, se houvesse crianças, elas teriam sido excluídas. Pois, para Paulo, os filhos dos crentes eram "santos" (1 Co 7.14), ao contrário dos filhos dos incrédulos. Talvez ele estivesse seguindo o que o Senhor Jesus havia dito, que não impedissem as crianças de virem a Ele (Mc 10.13-16).

Compreendo a dificuldade que alguns terão quanto ao batismo infantil, pois não há exemplos claros de crianças sendo batizadas no Novo Testamento. É verdade. Mas é igualmente verdade que não há nenhum exemplo de um filho de crente sendo batizado em idade adulta. Neste caso, talvez seja mais seguro ficar com o ensino do Antigo Testamento., Se os judeus que se converteram a Cristo não podiam batizar seus filhos, era de se esperar que houvesse alguma proibição neste sentido por parte dos apóstolos, já que estavam acostumados a incluir seus filhos em todos os aspectos da religião judaica. Mas não há nenhuma proibição apostólica quanto a isso.

Compreendo também que alguns têm dificuldades com o batismo infantil por causa da prática da Igreja Católica e de algumas denominações evangélicas, que adotam a idéia da regeneração batismal, isto é, que, pelo batismo, a criança tenha seus pecados lavados e seja salva. Pessoalmente não creio que seja este o ensino bíblico. O batismo infantil não salva a criança. Meus filhos terão de exercer fé pessoal em Cristo Jesus. Não serão salvos pela minha fé ou da minha esposa. Eles terão de se converter de seus pecados e crer no Senhor Jesus, para que sejam salvos. O batismo foi apenas o ritual de iniciação pelo qual foram admitidos na comunhão, da Igreja visível. Simboliza a fé dos seus país nas promessas de Deus quanto aos seus filhos (cf. Pv 22.6; At 2.38; At 16.31) e expressa os termos da aliança que nós e nossos filhos temos com o Senhor (Dt ' 6.6,7; Ef 6.4). Se, ao crescer, uma criança que foi batizada resolver desviar-se dos caminhos em que foi criada, é da sua inteira responsabilidade, assim como os que foram batizados em idade adulta, e que se desviam depois.

Certamente que o Novo Testamento fala do batismo como sendo uma expressão de fé e de arrependimento por parte daqueles que se convertem a Cristo - coisas que uma criança em tenra idade não pode fazer. Por outro lado, lembremos que passagens assim não tinham em vista os filhos dos fiéis, mas toda uma primeira geração de adultos que se converteram pela pregação do Evangelho.

Mas, ao fim, tanto os que batizaram seus filhos quanto os que os apresentaram, devem orar com eles e por eles, serem exemplos de vida cristã, levá-los à Igreja, instruí-los nas Escrituras e viver de tal modo que, ao crescer, os filhos desejem servir ao mesmo Deus de seus pais.

Fonte: Thirdmill

02 fevereiro 2021

As vacinas contra a COVID-19 e a Providência Divina

Jean Marques Regina 
Thiago Rafael Vieira 
Wladymir Soares de Brito Filho 


No último dia 17/01/2021, a diretoria colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, aprovou, por unanimidade, a autorização temporária de uso emergencial da vacina CoronaVac, desenvolvida pela farmacêutica Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, e da vacina Covishield, produzida pela farmacêutica Serum Institute of India, em parceria com a AstraZeneca/Universidade de Oxford/Fiocruz.

Apesar desta excelente notícia, que expressa o cuidado de Deus – ou, como veem muitas tradições teológicas – a graça comum concedida a toda a humanidade, neste episódio exemplificada pela inteligência e competência de todos os seres humanos responsáveis por esta importante conquista, muitos cristãos têm adotado uma postura de que fazer uso das vacinas seria um sinal de “falta de fé”. Para estes, confiar na medicina humana seria desconfiar da soberania divina em proteger o seu povo das doenças e calamidades deste mundo.

Para abordar esta delicada, complexa e urgente situação à luz das Escrituras, e, por pelo menos duas lentes teológicas, a reformada e a luterana, é preciso trazer novamente aos corações e mentes da igreja brasileira dois elementos da cosmovisão cristã que são extremamente importantes para o dia a dia do povo de Deus nesta Terra: a graça comum, a doutrina da vocação e o respeito às autoridades governamentais.

Segundo o conceito da graça comum, Deus abençoa a humanidade em geral com virtudes e qualidades, independentemente das convicções religiosas e políticas das pessoas (Mateus 5.45). Nas palavras de Wayne Grudem, a graça comum de Deus na esfera intelectual resulta na capacidade dos seres humanos, crentes ou descrentes, de captar a verdade e distingui-la do erro, experimentando crescimento em conhecimento que pode ser usado na investigação do universo e na tarefa de dominar a Terra. Isso significa que toda ciência e tecnologia desenvolvida pela humanidade é resultado da graça comum de Deus, permitindo-lhes fazer descobertas e invenções dignas de nota.

Para facilitar a compreensão, vamos fazer uso de uma “parábola” certamente já conhecida de todos: certa feita uma pequena cidade foi devastada por uma tremenda enchente, daquelas de inundar tudo e, pela visão do Google Earth, somente se viam os telhados. E a água continuava a subir e a chuva continuava a cair. Nela havia apenas um homem (todos já tinham “escapulido”), que subiu até o telhado e de lá começou a orar pedindo a Deus para que a chuva parasse. Apareceu então uma canoa. O canoeiro gritou: “Venha, se salve!”, mas o homem respondeu: “Não posso! Estou orando e o Senhor vai fazer essa chuva parar!”. A água, contudo, continuou subindo. Apareceu então um barco a motor. Chamaram-no, mas ele deu a mesma resposta. Por fim, apareceu um helicóptero dos Bombeiros. Desceram uma cadeirinha até ele numa corda. Mas ele deu sinal que não ia, porque estava orando para a chuva parar. Aconteceu que a chuva aumentou, o homem foi levado pela correnteza, não sabia nadar e morreu afogado. Logo que chegou ao Céu, já foi brigando com o primeiro que encontrou, que foi São Pedro: “Deus não atendeu à minha oração!” disse ele. São Pedro então respondeu: “Como não atendeu, filho, se Deus lhe mandou a canoa, o barco a motor e até um helicóptero?”

Esta conhecida história serve para ilustrar como Deus “fala na língua dos homens”, valendo-se de pessoas de “carne e osso” para avançar seus propósitos na soberana condução da história. Fruto de uma interpretação profundamente alegórica das Escrituras Sagradas, sobretudo do Antigo Testamento, uma parcela considerável da igreja evangélica brasileira espera que as intervenções de Deus em favor do seu povo sejam sempre sobrenaturais, espetaculares e místicas (elas até podem acontecer). Contudo, o relato das Escrituras mostra Deus agindo em favor de seu povo por meio do imperador Ciro II, ao permitir que os judeus retornassem a sua terra natal (Esdras 1); do imperador Xerxes I, ao tornar sem efeito o édito de extermínio contra os judeus engendrado por Mordecai (Ester); ou mesmo usando a mula do profeta Balaão para abençoar o povo de Deus (Números 22.5-33).

Portanto, sem a pretensão de querer dar ordens ao povo de Deus quanto ao que é certo ou errado, mas com a firme intenção de influenciar uma tomada de decisão que seja mais racional, piedosa e ponderada, nosso propósito é faze-lo refletir, especialmente aqueles que adotam uma postura contrária à vacinação que, ao orarem e conversarem com Deus, considerem se a vacina não é exatamente um destes barquinhos, mandados por Deus, para salvar o homem ilhado pela chuva.

Neste aspecto, Lutero é enfático ao explicar o Primeiro Artigo do Credo Apostólico. Na expressão “Criador do Céu e da Terra” abarca pelo menos dois grandes princípios. O primeiro é que na Criação estão contidas todas as medidas para a preservação da vida, inclusive a racionalidade, a genialidade o espírito criativo e a inteligência humana para a busca do bem de todos, o bem comum. O segundo é que este meio de Seu cuidado e agir se dá justamente através das outras pessoas, que são chamadas (vocacionadas) e dotadas de talentos específicos – no caso, o saber científico, que irá operar em nosso favor. Esta visão da graça comum, seria o equivalente, na tradição teológica luterana, ao que chamam de “bênçãos do Primeiro Artigo”. Deus-em-Cristo ama a humanidade e a preserva.

Esta mesma questão da vacinação e o povo de Deus deve ser abordada, ainda, sob o prisma do testemunho do evangelho na ordem social. Relatos como os de Romanos 13.1-7, 1ª Pedro 2.13-14 e Mateus 22.15-22 mostram como como o cristão, transformado pelo Evangelho de Cristo, deve se comportar em relação às autoridades governamentais legitimamente constituídas, promovendo a justiça de Deus na vida diária.

Paulo, Pedro e Mateus nos ensinam que há um papel secular a ser desempenhado pelas autoridades governamentais legítimas: todos os seres humanos, cristãos ou não, devem obedecer às leis de seu país (se comportar como bons cidadãos), porque não há autoridade legítima que não proceda de Deus e não tenha sido por ele instituída. A autoridade governamental é estabelecida como uma serva de Deus para o bem do povo, tendo como objetivo principal recompensar aqueles que fazem o bem e punir aqueles que praticam o mal, mantendo a ordem na sociedade, como já dizia Martinho Lutero. Por tais razões, somos chamados a honrar as autoridades que Deus estabelece sobre uma nação por dever de consciência, e não por medo de coação.

Como afirma Karl Barth, aquele de quem procede todo o poder e por meio de quem toda autoridade existente é estabelecida é Deus, o Senhor, o Criador e o Redentor, aquele que elege e rejeita. Isso significa dizer que os poderes constituídos são medidos tendo Deus por referência, assim como são todas as coisas humanas, temporais e concretas. Deus é o seu princípio e seu fim, sua justificação e sua condenação, seu “sim” e seu “não”.

Numa aplicação direta destes conceitos, cabe trazer à memória a doutrina reformada da soberania das esferas sociais, cuja origem remonta ao reformador João Calvino (1509-1564) e cuja sistematização se deu pelas mãos do teólogo holandês Abraham Kuyper (1837-1920). Trata-se da noção de que a sociedade é composta por várias esferas independentes, igualitárias e soberanas entre si (como igreja, família, estado, trabalho, arte e ensino). Como afirmava Abraham Kuyper, “não há um único centímetro quadrado, em todos os domínios de nossa existência, sobre os quais Cristo, que é soberano sobre tudo, não clame: É meu!”.

Todas as esferas que compõem a ordem social possuem o mesmo nível de importância e hierarquia entre si, e estão todas debaixo da soberania de Deus, sendo regidas por Ele. Estas dimensões da sociedade humana possuem suas próprias missões, propósitos e responsabilidades diferenciadas, razão pela qual os limites de atuação dentro de cada esfera devem ser respeitados.

Já o pensamento luterano sobre a doutrina da vocação, conforme já dito anteriormente, faz com que atuemos em nossos chamados como verdadeiras “máscaras de Deus”, onde Ele atua através de suas criaturas. E, neste ponto, importante notar a conexão. O “reino da fé” é relativo ao Céu; o “reino do amor” à Terra. Não podem ser confundidos, mas não são desconexos, como diria Gustav Wingren. E arremata: “Toda a obra de Deus é posta em movimento mediante a vocação: ele modifica o mundo e espalha sua misericórdia sobre a humanidade oprimida”.

Diante destas diretrizes para a relação entre a Cidade dos Homens e a Cidade de Deus traçadas pela tradição cristã, temos que o cristão tem o dever de, por “amor ao Senhor”, se submeter às autoridades legitimamente constituídas, enquanto estas estiverem “recompensando o bem e punindo o mal”. Dentre estas autoridades estão aquelas responsáveis pelas questões sanitárias, tal como a ANVISA no caso brasileiro.

A fundamentada decisão da autoridade sanitária brasileira atestou, de forma unânime, a segurança e a eficácia das vacinas, debelando desconfianças e incertezas que acompanharam todas as fases de seus processos de desenvolvimento. Há de se respeitar, portanto, a autoridade da ciência e da medicina sobre esta área específica da vida humana. O povo de Deus não pode permitir que ideologias políticas quaisquer, verdadeiras idolatrias modernas conforme o alerta de David Koyzis, contaminem a decisão sanitária quanto ao uso de vacinas.

Portanto, diante de todos os fatos que levaram à autorização temporária de uso emergencial das vacinas CoronaVac e Covishield pela ANVISA no último dia 17/01/2021, é legítimo ao cristão se recusar a ser vacinado? Entendemos que o cristão está autorizado pelas Escrituras a ser desobediente apenas quando o governo comanda o mal, ou seja, apenas quando obedecer à autoridade importa em agir de forma expressamente contrária à Palavra de Deus.

Nas palavras de Franklin Ferreira, quando duas ordens diretas colidem, o cristão tem a liberdade de fazer uma escolha, e esta deve ser feita sem hesitação: ficar do lado de Deus, em vez de obedecer às autoridades que não estejam cumprindo com os seus chamados (Atos 5.29). Assim, quando as autoridades se tornam tiranas ou opressoras, deixam de ser autoridades ordenadas por Deus. Quando os cristãos desobedecem e resistem a elas, não estão resistindo à ordem de Deus.

Feito este alerta, entendemos que não há motivos para enxergar a vacinação como uma decisão da autoridade sanitária que contraria expressamente a vontade de Deus para o seu povo, não havendo, portanto, razões legítimas para que a igreja cristã no Brasil deixe de cumprir a orientação bíblica de obediência.

Concluímos assim que fazer uso das vacinas não é um sinal de “falta de fé”, muito menos de falta de confiança na providência divina, mas um claro sinal da graça comum que Deus, ou do cumprimento firme da ordem natural que estabeleceu no cuidado de uns com os outros através das vocações, em sua maravilhosa bondade e generosidade, derrama sobre toda sua criação, permitindo aos homens a inteligência necessária para desenvolver meios seguros e eficazes para pôr um fim a esta pandemia de Covid-19. Façamos assim a vontade Deus, que é sempre boa, perfeita e agradável.


19 janeiro 2021

Quem foram os puritanos?

Por Jónatas Rafael Lopes

Os puritanos foram um movimento religioso, durante os séculos XVI e XVII, sendo inspirados através do ministério William Tyndale em Inglaterra (1494-1536)[1].

O objetivo principal era completar o que a reforma protestante não tinha conseguido. Receberam esta alcunha de puritanos em 1568[2].

Além disso, tiveram os seguintes objetivos: reformar o culto anglicano, restabelecer os valores do Reino na área política, doméstica e social desejando que os ingleses pudessem viver a fé de modo reto. Acreditavam, também, que seria através da pregação e do ensino do evangelho que tal aconteceria[3].

Os puritanos acreditavam que ainda havia muitos resquícios de papado na igreja anglicana e, como tal, queriam purificar a Igreja segundo a Palavra de Deus[4].

Infelizmente, o termo “puritano” é muito mal usado nos dias de hoje devido à ignorância das pessoas para com estes servos de Deus. Por exemplo, se queremos ofender alguém, simplesmente chamamos “puritanos”.

Na ótica destas pessoas, estão a querer dizer que esses “puritanos”, na verdade, estão a exagerar ao serem legalistas ou extremistas perante alguma situação.

Contudo, os puritanos tinham o desejo de servir ao Senhor Deus com as suas vidas para que pudessem glorificá-lo em tudo o que fizessem.

Nesse sentido, o domínio próprio era muito praticado.

Foi devido a isso que Jonathan Edwards (1703-1758) fez as suas 70 resoluções tendo o objetivo que a sua vida rendesse louvores a Deus[5].

Outra consideração notável sobre estes servos de Deus era a constante avaliação do coração para analisarem as suas motivações. Não bastava ter apenas o comportamento correto como também era necessário ter a motivação ou atitude certa[6].

Aplicação para os dias de hoje sobre quem foram os puritanos

Sem dúvida que este é um grande desafio. Isto porque, hoje em dia, a maior preocupação das pessoas no século XXI é com o estético. O problema é que o estético não trata da raiz, mas da fachada.

Temos de analisar, cada vez mais, as nossas motivações para percebermos se as mesmas glorificam a Deus.

As emoções são os verdadeiros indicadores de como está o nosso coração. E nós não somos chamados a tratar das nossas emoções, numa primeira instância, mas a cuidar do nosso coração que é o nosso maior problema.

Se Cristo não edificar a nossa vida, nós iremos ruir ainda que a fachada possa continuar bela. Somos belos construtores da fachada, mas a beleza do interior só pode ser construída por Deus.

Por vezes, sentimo-nos podres, mas queremos continuar a cultivar uma imagem de virtudes – usando máscaras – pois não queremos dar a parte fraca perante os homens e, principalmente, perante Deus ao pedir-lhe perdão e dizer-lhe o quanto queremos depender d’Ele.

Temos de ser mais puritanos quanto a este aspecto e examinarmos a nossa vida diariamente analisando o que fazemos e pensamos à luz da Palavra de Deus.

[1] Ryken, Leland – “Santos no mundo”, São José dos Campos: Fiel, 2010, p. 15
[2] Cairns, Earle E. – “O cristianismo através dos séculos”, São Paulo: Vida Nova, 1995, p. 273
[3] Packer, J. I. – “Os gigantes de Deus”, São José dos Campos: Fiel, 1996, p. 8
[4] Cairns, Earle E. – “O cristianismo através dos séculos”, p. 273
[5] Lawson, Steven J. – “As firmes resoluções de Jonathan Edwards”, São José dos Campos: Fiel, 2010, p. 37
[6] Lawson, Steven J. – “As firmes resoluções de Jonathan Edwards”, p. 39