22 setembro 2020

Piedade é o requisito para se conhecer a Deus

Por João Calvino 

Portanto, de fato entendo como conhecimento de Deus aquele em virtude do qual não apenas concebemos que Deus existe, mas ainda apreendemos o que nos importa dele conhecer, o que lhe é relevante à glória, enfim, o que é proveitoso saber a seu respeito. Ora, falando com propriedade, nem diremos que Deus é conhecido onde nenhuma religiosidade há, nem piedade. E aqui ainda não abordo essa modalidade de conhecimento pela qual os homens, em si perdidos e malditos, apreendem a Deus como Redentor, em Cristo, o Mediador. Ao contrário, estou falando apenas desse conhecimento primário e singelo, a que nos conduziria a própria ordem da natureza, se Adão se conservasse íntegro.

Ora, se bem que nesta ruinosa situação do gênero humano já ninguém sentirá a Deus, seja como Pai, seja como autor da salvação, seja como de qualquer maneira propício, até que Cristo se interponha como agente mediador para apaziguá-lo em relação a nós, todavia uma coisa é sentirmos que Deus, como nosso Criador, nos sustenta com seu poder, nos governa em sua providência, nos provê em sua bondade e nos cumula de toda sorte de bênçãos; outra, porém, é abraçarmos a graça da reconciliação que nos é proposta em Cristo.

Portanto, uma vez que o Senhor se mostra, em primeiro lugar, tanto na estrutura do mundo, quanto no ensino geral da Escritura, simplesmente como Criador, e então na face de Cristo [2Co 4.6] como Redentor, daí emerge dele duplo conhecimento, de que se nos impõe tratar agora do primeiro. O outro se seguirá, na devida ordem. 

Mas, embora nossa mente não possa apreender a Deus sem que lhe renda alguma expressão cultual, não bastará, contudo, simplesmente sustentar que ele é um e único, a quem importa ser de todos cultuado e adorado, se não estamos também persuadidos de que ele é a fonte de todo bem, para que nada busquemos de outra parte senão nele.

Eu o recebo nestes termos: não só que uma vez ele criou este mundo, e de tal forma o sustém por seu imenso poder; o regula por sua sabedoria; o preserva por sua bondade; rege com sua justiça e equidade especialmente ao gênero humano; suporta-o em sua misericórdia; guarda-o em sua proteção; mas, ainda que em parte alguma se achará uma gota ou de sabedoria e de luz, ou de justiça, ou de poder, ou de retidão, ou de genuína verdade, que dele não emane e de que não seja ele próprio a causa; de sorte que aprendamos a realmente dele esperar e nele buscar todas essas coisas; e, após recebidas, a atribuir-lhes com ação de graças.

Ora, este senso dos poderes de Deus nos é mestre idôneo da piedade, da qual nasce a religião. Chamo piedade à reverência associada com o amor de Deus que nos faculta o conhecimento de seus benefícios. Pois, até que os homens sintam que tudo devem a Deus, que são assistidos por seu paternal cuidado, que é ele o autor de todas as coisas boas, daí nada se deve buscar fora dele, jamais se lhe sujeitarão em obediência voluntária. Mais ainda: a não ser que ponham nele sua plena felicidade, verdadeiramente e de coração nunca se lhe renderão por inteiro.

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Fonte: As Institutas ou Tratado da Religião Cristã, vol. 1, Cap. II, 1.


21 setembro 2020

Instrução por meio dos Catecismos

A instrução por meio de catecismos coexiste com a família humana. No início, todo o conhecimento foi comunicado oralmente e transmitido pela tradição. O primeiro homem entregou uma certa quantia de ideias importantes aos seus filhos; e eles novamente para os deles, com diferentes graus de habilidade e fidelidade. O local mais comum de instrução era, sem dúvida, por muito tempo, o círculo doméstico. Aqui, o piedoso patriarca dedicava muito tempo a ensinar aos filhos, que ouviam as lições que aprendera em sua juventude de seus antecessores e aquelas que ele aprendera com sua própria experiência. Essas instruções foram propriamente da natureza da catequese, que pode ser definida como a comunicação familiar do conhecimento oralmente. Enquanto este dever foi fielmente realizado pelos pais, as trevas da ignorância e da idolatria foram impedidas, mas assim que caiu em negligência, o erro e o vício foram a sua consequência. De Abraão, Deus certifica: “Eu sei que ele ordenará a seus filhos e a sua casa depois dele, e eles manterão o caminho do Senhor, para fazer justiça e julgamento (Gn 18.19).” E Deus, por Moisés, insistiu em nenhum dever além disso, ou seja, da instrução doméstica nas verdades da religião. “E as palavras que eu te mando estarão no teu coração, e as ensinarás a tuas crianças, e falarás delas quando estiveres em tua casa, e quando andares pelo caminho, e quando te deitares; quando te levantares. Mais uma vez, “Olha só para ti, e guarda a tua alma com diligência, para que não te esqueças do que os teus olhos têm visto, e não partam do teu coração todos os dias da tua vida; mas ensina a teus filhos e a filhos de teus filhos (Dt 4.9-10; 6.7) ”.

A esses preceitos, o salmista se refere, quando diz: “Ele estabeleceu um testemunho em Jacó e determinou uma lei em Israel, a qual ele ordenou a nossos pais que os fizessem saber a seus filhos: que as gerações vindouras poderiam conhecê-los, até mesmo os filhos que viriam a nascer, que deveriam se levantar e declará-los aos seus filhos (Sl 78.5-6).”

A palavra catequizar, é propriamente grega, derivada do verbo katecheo, que significa “instruir com a voz”, que é encontrada, e ocorre umas seis ou sete vezes no Novo Testamento, mas é comumente traduzida por instruir. Porque, em inglês, a palavra catequizar adquiriu, de alguma forma, uma significação mais estreita que o termo original e transmite a ideia de instrução pela pergunta e resposta; enquanto que a palavra em grego inclui todo tipo de instrução elementar e oral: e seria desejável trazer de volta a palavra ao seu significado original. Isso, no entanto, é de menor importância no momento. As passagens em que a palavra original é encontrada são as seguintes: Lc 1.4; At 18.25; 21.22, 24; Rm 2.18; 1Co 14.19; Gl 4.6.

Parece, portanto, que este modo de instrução é plenamente reconhecido nas Escrituras Sagradas. De fato, se nenhum outro método de inculcar a verdade divina fosse utilizado, do que entregar discursos elaborados e continuados do púlpito, muito pouca informação seria obtida pelos jovens e ignorantes. A pregação supõe e requer algum conhecimento preparatório nos ouvintes, para torná-la útil na comunicação do conhecimento religioso. Princípios elementares devem ser adquiridos de alguma outra forma; e isso foi mais especialmente o caso antes da invenção da impressa, quando os livros eram muito escassos e poucas pessoas conseguiam ler. Parece que os apóstolos e os primeiros mestres da religião cristã estavam muito ocupados dando instrução religiosa, de casa em casa. Sabemos por indubitáveis autoridades que, nos primeiros tempos da igreja primitiva, todos os que se queriam ser admitidos na igreja, entre os pagãos e os filhos dos cristãos, foram cuidadosamente instruídos por meio da catequização; isto é, por um curso de ensino familiar, viva voz. Para cada igreja, uma classe de catecúmenos cooperava e formava uma espécie de escola, na qual os primeiros princípios da religião eram inculcados e certas fórmulas da doutrina cristã, como os primeiros credos, cuidadosamente dedicados à memória, juntamente com porções da Sagrada Escritura. Em alguns lugares, essas escolas de catecúmenos tornaram-se muito famosas e receberam professores do mais alto nível de erudição e piedade; de modo que elas foram frequentadas pelos amantes da literatura sagrada de outros países. Uma célebre instituição desse tipo floresceu por muito tempo em Alexandria, no Egito, na qual Orígenes foi educado, e se tornou o mais ilustre professor. Um grande número dos tratados escritos pelos Pais da Igreja, em diferentes países e em diferentes séculos, foi composto expressamente para a instrução dos catecúmenos. E até que a escuridão se espalhou pela igreja, e seus perversos pastores privaram o povo do acesso das Escrituras, a igreja foi, como deveria ser, como uma grande escola, onde os homens santos de Deus devotaram seu tempo à instrução da nova geração e de convertidos do paganismo.

Na instrução catequética ou elementar, o grande segredo é instruir pouco a pouco e, muitas vezes, repetido. Quem quiser instruir crianças e adultos muito ignorantes, deve evitar o erro de colocar muito conteúdo em suas mentes ao mesmo tempo. É uma prática tão absurda como seria tentar aumentar a atividade, o vigor e o tamanho do corpo, enchendo o estômago com tanta comida quanto se possa suportar. Além disso, as verdades comunicadas pela primeira vez devem ser as mais simples possíveis. Mentes magras não devem ser alimentadas com carne forte, mas com leite puro. Para acomodar a instrução ao estado de avanço do conhecimento e ao grau de desenvolvimento das faculdades mentais, é certamente a parte da educação que é mais difícil e, ao mesmo tempo, a mais importante. É recomendado que os fatos históricos devem formar o começo de um curso de instrução religiosa, primeiro, pelo método apresentado na Bíblia; e em segundo lugar, pela predileção de todas as crianças por essa espécie de conhecimento. Mas, num período muito inicial, a instrução moral e doutrinária do tipo mais importante pode estar conectada com os fatos bíblicos inculcados, e pode sempre ser mais vantajosamente enxertada neles. Admite-se que os catecismos doutrinários não são bem compreendidos pelas crianças. Mas não lhes pode causar mal se exercitarem em memorizar as palavras. Pois é universalmente admitido que, para fortalecer a memória, ela deve ser exercida com frequência e vigor: e não será muito melhor armazená-la com palavras que contenham as verdades mais salutares, em vez daquelas que podem, por alguma associação, provar serem prejudiciais à lembrança?

Às vezes, o fato de ter memorizado um sistema como o Breve Catecismo, é de extrema importância para um indivíduo quando sua sorte é lançada onde ele não tem meios de obter informações corretas; ou no caso de a pessoa perder a visão ou a audição. Certa vez, notamos uma exemplificação disso no caso de um homem de mente forte, que levara uma vida atribulada, sem muita preocupação com livros, e que em seus últimos anos era inteiramente cego. Em conversa sobre os tópicos mais importantes da religião, nos quais ele se interessava profundamente, ele voltava continuamente às respostas do Breve Catecismo, que aprendera quando garoto; e que agora parecia servir de guia para os seus pensamentos em todas as suas meditações. Mas a verdadeira razão pela qual tantas as crianças aprendem o Catecismo sem entender o seu significado, é que não são tomadas medidas para explicar as suas doutrinas e ilustrá-las de uma maneira adaptada à sua capacidade. Os pais são, na maioria das vezes, incapazes de dar tais instruções ou negligentes na realização deste importante dever.

A maioria dos pais precisa de algum auxílio que lhes permitam explicar o significado do Catecismo, e tais recursos foram amplamente providos, e deveriam estar nas mãos de toda família presbiteriana. Temos algumas obras que se encaixam são úteis como recursos, como por exemplo os comentários do Breve Catecismo de Vincent, Flavel, Thompson e outros antigos; e mais recentemente uma excelente exposição do Breve Catecismo pelo Rev. Belfrage da Escócia; e ainda mais recentemente temos um conjunto de Palestras sobre o Breve Catecismo da pena do venerável Dr. Green, em dois volumes, que sinceramente desejamos que sejam encontrados em todas as famílias de nossa igreja, como uma obra de sã teologia, escrita num estilo correto e claro. Enquanto estamos recomendando exposições deste excelente pequeno compêndio, nós não omitiríamos mencionar com alta aprovação, o Catecismo Escriturístico do Rev. Matthew Henry, no qual todas as perguntas são derivadas do Breve Catecismo e as respostas são em tudo as próprias palavras da Escritura. Isso, em nossa opinião, é um trabalho admirável e deve ser reimpresso e amplamente divulgado. Nós também somos motivados a recomendar o Catecismo de Fisher, como um valioso trabalho doutrinário, que é muito usado na Escócia, e por muitos presbiterianos neste país. A Chave para o Catecismo Menor, também aprovamos, e a partir do testemunho daqueles que tentaram, somos levados a crer, pode ser muito útil para ajudar as crianças a entender o significado das palavras e frases usadas no Breve Catecismo de Westminster.

O velho costume presbiteriano de dedicar a noite do Domingo, de modo santo, para o compromisso de catequizar as crianças e os demais membros de toda família, deve ser revivido entre nós onde caiu em desuso. Nenhum outro meio que tenha sido substituído por isso, provavelmente responderá como um bom propósito. Ou, se os cultos públicos na igreja ocuparem todo o tempo nesta noite, reserve uma hora pela manhã, ou imediatamente após o jantar, para que seja dedicada a esta importante atividade. É tão útil para os pais quanto para as crianças, e é o método mais efetivo de induzir jovens a reter bem o Catecismo na memória. E a menos que isso seja feito, a instrução religiosa dos servos e membros da família será negligenciada. Estas instruções familiares devem ser conduzidas com grande seriedade e gentileza. Nesses momentos, a repreensão e o castigo devem ser evitadas; e as orientações para as consciências dos que cometeram falhas devem ser feitas com ternos carinhos.

Esperamos sinceramente que a atenção à instrução doutrinária não seja abandonada, nem diminuída em nossa igreja. Até agora, os presbiterianos foram distintos acima de todas as pessoas do mundo, por um conhecimento correto e completo dos princípios de sua própria igreja. Nenhum povo na terra é tão bem doutrinado nos princípios da religião e na prova das doutrinas que creem, como os escoceses e seus descendentes na Irlanda e nos Estados Unidos da América. Outras pessoas excedem-nas em especulações metafísicas e no conhecimento de outros assuntos; mas, para um sólido conhecimento religioso, elogiam-nos os presbiterianos escoceses dentre todas os grupos religiosos.

Os benefícios da instrução completa nas doutrinas da religião não podem ser calculados. As verdades assim recebidas na mente podem se revelar ineficazes, em alguns casos, para restringir o teimoso pecado; mas mesmo nestes, a força da verdade é frequentemente sentida, e a pessoa nesta situação, é muito mais provável que seja convencida do erro de seus caminhos do que aqueles transgressores cujas mentes são quase totalmente destituídas do conhecimento das doutrinas da religião cristã. Há, além disso, um benefício indescritível da posse de informações doutrinárias corretas, quando a mente fica sob sérias impressões de religião; pois, as verdades que foram inculcadas desde cedo e há muito esquecidas, ressuscitarão na memória e servirão para proteger a mente ansiosa daqueles erros entusiastas em que as pessoas ignorantes tendem a cair quando são profundamente exercitadas sobre o assunto de sua salvação. Que os membros da Igreja Presbiteriana, portanto, não se tornem negligentes naquilo que sempre foi sua mais honrosa distinção: a cuidadosa iniciação de crianças nas doutrinas da fé cristã, contidas nos seus Catecismos; do que nós cremos ser um sólido sistema de teologia teórica e prática, não sendo encontrado em qualquer idioma.

Pode parecer extraordinário, que os teólogos da Assembleia de Westminster tenham preparado dois catecismos, pois isso parece que premeditadamente distrai mais do que edifica a igreja. Mas a história deste assunto é simplesmente isso. O Catecismo Maior foi primeiro composto por uma comissão de três membros: Dr. Tuckney, Dr. Arrowsmith e o Rev. Newcomen. Embora haja boas razões para crermos que o primeiro mencionado era o principal escritor na composição. O trabalho foi altamente aprovado, sendo que a sua estrutura se tornou muito extensa para ser aplicado na memória por crianças, a comissão foi, portanto, direcionada a preparar um catecismo contendo as mesmas verdades, mas de uma forma mais condensada.

O Breve Catecismo é, portanto, uma abreviação do Maior, e, em comparação, ele terá a substância do Maior, expressa com mais brevidade, mas contendo, na maior parte, a própria linguagem do original. Antigamente, era frequente que os jovens de ambos os sexos, em nossa igreja, memorizassem com precisão todo o Catecismo Maior. Se esta prática é continuada em muitas das congregações presbiterianas, sob o cuidado da Assembleia Geral, não temos informação o suficiente que nos permitir dizer. Mas não podemos deixar de crer que os jovens que realizaram este objetivo, adquiriram um tesouro que pode ser mais valioso para eles do que milhares de quilos de prata e ouro. Alguém assim armado com a armadura da verdade divina, não estará sujeito a ser “levado por todo vento de doutrina”, e todo espírito selvagem de entusiasmo que possa estar no exterior no mundo. Quando ele lê livros de teologia, ou ouve sermões do púlpito, ele não só será capaz de entendê-los melhor do que outros, mas levará consigo um teste, pelo qual ele pode julgar a exatidão do que ouve ou lê, e assim estar numa situação para obedecer a exortação do apóstolo: “examine todas as coisas, e retenha o que é bom”.

Não podemos nos contentar em deixar passar a oportunidade de conferir os méritos daquelas denominações de presbiterianos escoceses que não estão em comunhão com a Assembléia Geral, por sua incansável produção e cuidado em dar instruções doutrinárias a seus filhos. A este respeito deve ser reconhecido que eles superam em muito todas virtudes as outras denominações de cristãos em nosso país. Entre eles, temos razões para crer, não se diminuiu a atenção dada aos catecismos; e poucos casos ocorrem dos membros dessas igrejas sendo seduzidos pelas artimanhas traiçoeiras dos propagadores do erro e da infidelidade.

Algumas pessoas podem perguntar: de quem é a responsabilidade de instruir por meio de catecismos? Respondemos que é uma tarefa de todos que são capazes de ensinar corretamente qualquer coisa da verdade divina. Mas, especialmente, é dever dos pais, tutores, professores, mestres das escolas, presbíteros e ministros do evangelho. Todos os que podem ser alistados neste serviço devem ser engajados para ensinar aqueles que possuem menos conhecimento do que eles. E nos sentimos constrangidos a dar o nosso forte testemunho a favor das Escolas Dominicais, em que tantas pessoas são empregadas, tão benéfica para si e para os outros, ao dar instruções da Bíblia. Quando isso é chamado de nova instituição, certamente não significa que qualquer nova instrução seja dada; ou que há algo novo na maneira de comunicar o conhecimento religioso. Toda a novidade consiste no sucesso da tentativa de engajar tamanha multidão de professores em dar lições, e tão grande quantidade de eruditos em aprendê-las. Mas, respeitosamente, perguntamos se os pais, ministros e presbíteros não se tornaram mais negligentes no ensino dos catecismos desde a introdução da Escola Dominical.

A fim de tornar proveitosa a catequese pública das crianças, o pastor do rebanho deve manifestar um profundo e vivo interesse em sua prática. Se ele parecer indiferente e participar das atividades catequéticas de maneira formal ou negligente, não se pode esperar que um grande bem surja desses encontros. Mas se ele se esforçar para organizar todas as circunstâncias de tais exercícios, de modo a torná-los interessantes tanto para mais os velhos como para os mais jovens, se ele propuser temas especiais de pesquisa, se referir a livros apropriados e conversar abertamente com seu povo sobre este tópico, um espírito de investigação será despertado, o conhecimento teológico será perseguido com diligência e entusiasmo, e o uso dos catecismos será um dos meios mais efetivos de difundir informações corretas sobre as doutrinas da fé cristã.

Se as escolas seculares fossem o que deveriam ser, seminários nos quais a doutrina cristã fosse cuidadosamente ensinada, então nossos professores seriam todos catequistas, e as crianças seriam treinadas no conhecimento de Deus e em seu dever. O compromisso de catequizar os jovens parece também ser um dos deveres apropriados do presbiterado, pois certamente esses oficiais não devem se restringir a meras questões de ordem e governo. Como líderes do povo, devem ir adiante deles em instrução religiosa. Bem como seria conveniente, como é comum, que cada igreja local fosse dividida em distritos, que cada presbítero tivesse um pequeno grupo para cuidar, as famílias nas quais ele poderia visitar com frequência e onde pudesse continuamente reunir catequizar os jovens.

Se os presbíteros regentes forem incapazes de realizar um trabalho como este, eles são impróprios para o ofício que ocupam, e podem ser de pouco proveito para a igreja em outros aspectos. Tem-se tornando assunto de queixa comum que os nossos presbíteros regentes não são geralmente sensíveis aos importantes deveres que pertencem ao seu ofício, e não estão bem qualificados para realizá-los. Mas como esse mal pode ser remediado? Respondemos que o remédio eficaz será encontrado numa maior atenção à instrução nas doutrinas da igreja, através do qual muitos irão adquirir um gosto e sede de conhecimento teológico. Pois sempre que isso ocorre, haverá um rápido progresso na aquisição de recurso de sã teologia, como os qualificará para comunicar a necessária instrução aos jovens e ignorantes. Nesse meio tempo, que cada pastor se reúna com os presbíteros de sua igreja, uma vez por semana, com o propósito expresso de discutir questões relacionadas aos deveres que pertencem ao seu ofício, e assim aqueles que estão realmente desejosos de executar o seu ofício de maneira fiel e inteligente, se tornará melhor e mais preparado para o seu importante trabalho a cada ano.

A questão frequentemente levantada é se não seria conveniente ter uma equipe de catequistas, cujo dever seria atender a toda essa preocupação. A ideia é favoravelmente acolhida por alguns na igreja presbiteriana. Mas para nós parece que tal ofício seria pior do que inútil, pois, se o catequista for tirado dentre os membros da igreja, onde ele deve oficiar, e este deve ser o caso se toda igreja é suprida com um ou mais, então por que não ordená-lo ao mesmo tempo um presbítero regente? Certamente o mero nome de catequista não o qualificaria para dar instrução; e se ele é qualificado, ele não seria capaz de ensinar, se chamado pelo nome de presbítero como catequista? E se o ofício é considerado o padrão, sendo que não obtemos presbíteros bem qualificados, como se pode supor que poderíamos encontrar catequistas competentes? A ideia de alguns, no entanto, é que, para desempenhar bem os deveres de catequizar, requer muito mais tempo do que os homens normalmente podem arcar com seus próprios negócios; e, portanto, pessoas adequadas devem ser empregadas com um salário razoável, para dedicar todo o seu tempo a esse importante ramo de instrução.

Tudo isso é muito razoável, e nos leva ao ponto mencionado antes. Em outras palavras, as escolas, entre os cristãos, deveriam ter como objetivo principal educar os filhos no conhecimento dos assuntos divinos, e os próprios catequistas da igreja seriam os professores dessas escolas. Entretanto, os docentes da escola são frequentemente incompetentes para desempenhar essa parte de seu dever. Respondemos que a mesma coisa seria verdade se fossem nomeados como catequistas, ou se outras pessoas fossem procuradas, no estado atual da igreja, existiria a mesma dificuldade em obtê-las como há agora em encontrar professores escolares bem qualificados. A verdade é que a igreja deve se esforçar para treinar os homens para este mesmo ofício, e os pais devem atribuir um valor muito mais alto a ele do que estavam acostumados a fazer. O ofício de presbítero deve se tornar mais respeitável e desejável do que o é atualmente.

É possível, como alguns pensem, que a predomínio das escolas dominicais torne desnecessário que os oficiais da igreja se ocupem com a instrução dos jovens sob sua responsabilidade. Se, de fato, as escolas desta espécie dentro da igreja local estiverem sob a superintendência especial e instrução do pastor e dos presbíteros, não há boa razão para que a instrução catequética não seja dada numa escola dominical como em qualquer outro lugar. Instruir por meio de catecismos é um exercício particularmente adequado para o Dia do Senhor, e se os oficiais de qualquer igreja concordarem em conduzir essa parte da instrução nessas valiosas instituições, certamente seria uma melhoria na estrutura em que são comumente conduzidas.

Mas quando, como é comumente ocorre, essas escolas compõem-se de crianças de diferentes denominações, e estão sob a direção de pessoas que não estão ligadas a nenhuma igreja, a sua existência e prosperidade, ao mesmo tempo que facilitarão muito os trabalhos pastorais, não devem ser considerada um substituto da catequese. Tememos, no entanto, de que alguns pastores, assim como muitos pais, tenham se tornado negligentes nessa parte de seu dever, a partir da ideia equivocada, de que sua tarefa nesta área estão cumpridos. Esse erro deve ser cuidadosamente combatido e enquanto os benefícios da escola dominical são reconhecidos com gratidão, a instrução de nossa juventude nos catecismos de nossa própria igreja deve continuar com crescente diligência.

A antiga estrutura presbiteriana de conduzir a catequese não limitava esse método de instrução às crianças e aos jovens, mas estendia-o a todas as pessoas, exceto aos oficiais da igreja. E, certamente, um dos principais obstáculos ao sucesso da instrução catequética é que ela geralmente termina cedo demais. Quando as crianças chegam aos doze ou catorze anos, elas adotam a opinião de que são grandes e velhas demais para repetir o catecismo. Por causa disso, até a instituição das classes bíblicas, os nossos jovens não receberam instrução apropriada, em muitas congregações, naquele período de suas vidas que, entre todas as outras, é a mais importante para o aperfeiçoamento do conhecimento.

Enquanto somos fortes defensores da instrução por meio de catecismos, somos ao mesmo tempo amigos calorosos com o método de instrução obtido nas aulas bíblicas. Devemos nos alegrar ao ver ambos os métodos de instrução estendidos a todas as idades e classes de homens. E quem está lá que ainda não tem algo para aprender? E o que na terra é tão digno de tempo e esforço quanto o conhecimento da Palavra de Deus e as doutrinas de seu maravilhoso amor e graça? Todo homem que contribui para o aumento desse tipo de aprendizado por seus escritos, deve ser considerado mais um benfeitor público do que aquele que inventa a máquina mais útil. Que todos, então, a quem Deus confiou um talento tão excelente como o de escrever bem em teologia, estejam atentos para que não o escondam num guardanapo ou o enterrem na terra. Porque nunca houve um tempo em que houvesse uma necessidade maior de bons livros e folhetos para neutralizar as inundações de erros que estão sendo emitidas de milhares de fontes, e nunca houve um período em que o efeito da boa escrita fosse tão extenso. Por meio das melhorias na impressão e das facilidades de transporte em nossos dias, é oferecida a oportunidade de circular opiniões por toda a terra. Se os teólogos dormem, não há dúvida de que o inimigo semeará seu joio abundantemente. Que os amigos da verdade, portanto, sejam atentos e sábios, e sempre alertas, aproveitando as oportunidades de iluminar o mundo com a pura doutrina da Palavra de Deus.

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Sobre o autor: Archibald Alexander (1772-1851) Dr. Alexander serviu a Igreja Presbiteriana em várias funções (sendo licenciado aos 19 anos, em 1794) antes de ser designado como o primeiro professor no Princeton Seminary, em 1812. Ele influenciou fortemente duas gerações de ministros nos 40 anos que ele ensinou lá. Foi o autor de muitos livros e um colaborador frequente da Princeton Review. Teve vários artigos e folhetos publicados acerca do presbiterianismo em meados do século XIX. “Foi sua rara felicidade manter uma reputação imaculada de superior piedade, sabedoria, benevolência e coerência ao longo de um ministério de quase sessenta anos.”

Acessado de http://www.reformedreader.org/ccc/catinstruction.htm
Traduzido por Ewerton B. Tokashiki

Fonte: Os Puritanos


20 setembro 2020

Quais orações Deus responde?

Pedindo segundo a Sua vontade 

Deus nunca ignora seus filhos. Ele nunca está ocupado demais. Nunca com falta de recursos. Nunca confuso. Nunca indisposto. Ele está sempre atento. É sempre gentil. Sempre atento. Sempre sábio. Sempre amoroso. Ele ouve todos os pedidos de seus filhos humildes e confiantes e responde com o que for melhor. Sempre vale a pena orar. Sempre.

Isso não significa que uma vida de oração não seja desconcertante. Meu objetivo é encorajá-lo em suas orações, respondendo a três perguntas especialmente difíceis: (1) O que significa pedir coisas a Deus “de acordo com a vontade dele”? (1Jo 5.14). (2) Por que somos instruídos a não orar pelo perdão do “pecado para morte”? (1Jo 5.16). (3) O que “aquilo” significa em 1 João 3.22, quando diz: “aquilo que pedimos dele recebemos, porque guardamos os seus mandamentos e fazemos diante dele o que lhe é agradável.”? Penso que uma resposta baseada nos textos, para cada uma dessas perguntas, é um grande incentivo para orar.

Eu me concentro nessas três perguntas porque, ao tentar responder a primeira, percebi que o contexto também levava a respostas para as outras duas. Aqui está o texto que levanta e responde as duas primeiras perguntas:

“E esta é a confiança que temos para com ele: que, se pedirmos alguma coisa segundo a sua vontade, ele nos ouve. E, se sabemos que ele nos ouve quanto ao que lhe pedimos, estamos certos de que obtemos os pedidos que lhe temos feito. Se alguém vir a seu irmão cometer pecado não para morte, pedirá, e Deus lhe dará vida, aos que não pecam para morte. Há pecado para morte, e por esse não digo que rogue. Toda injustiça é pecado, e há pecado não para morte. Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não vive em pecado; antes, Aquele que nasceu de Deus o guarda, e o Maligno não lhe toca.” (1Jo 5.14-18).

Duas Vontades em Deus

O que “segundo a sua vontade” significa no versículo 14? “se pedirmos alguma coisa segundo a sua vontade, ele nos ouve”. Existem dois significados possíveis para a “vontade de Deus” encontrados na Bíblia. Por um lado, a vontade de Deus é o que ele ordena, ou o que ele nos diz que é certo fazer. Por outro lado, a vontade de Deus é o que Deus decide que acontecerá. Podemos chamar o primeiro significado de vontade preceptiva. E o segundo que podemos chamar de vontade decretiva de Deus.

Por exemplo, você pode ver a vontade decretiva de Deus em Efésios 1.11: “daquele [Deus] que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade”. Ou em Tiago 4.15: “Se o Senhor quiser, não só viveremos, como também faremos isto ou aquilo”.  Nos dois textos, a vontade de Deus se refere ao controle de Deus sobre tudo o que acontece: “Todas as coisas”. Permanecer vivo e fazer “isto ou aquilo”. Esta é a vontade decretiva de Deus. Tudo o que acontece é a vontade de Deus nesse sentido. “No céu está o nosso Deus e tudo faz como lhe agrada”. (Sl 115.3; cf. Sl 135.6).

Por outro lado, você pode ver a vontade preceptiva de Deus, por exemplo, em 1 João 2.17: “aquele, porém, que faz a vontade de Deus permanece eternamente”. Ou em Marcos 3.35: “Portanto, qualquer que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe.” Ou 1 Tessalonicenses 4.3: “Pois esta é a vontade de Deus: a vossa santificação”. Podemos ver que “vontade de Deus”, nesses versículos, não significa “tudo o que acontece”. Refere-se ao que Deus ordena que é certo para que façamos.

O fato de haver duas maneiras bíblicas de falar da “vontade de Deus” significa que um único ato pode ser a vontade de Deus em um sentido, mas não em outro. Por exemplo, era claramente pecaminoso e contrário à vontade preceptiva de Deus que homens inocentes fossem crucificados. Deus ordenou: “Não matarás” (Êx 20.13). Mas os homens assassinaram Jesus, de acordo com o plano de redenção de Deus. Isaías 53.10 diz: “ao SENHOR agradou moê-lo, fazendo-o enfermar”. E Atos 4.28 diz que esses assassinos (Herodes, Pilatos, gentios, judeus) fizeram “tudo o que a tua mão e o teu propósito [de Deus] predeterminaram”. Portanto, o assassinato de Jesus foi a vontade de Deus no sentido de sua vontade decretiva, mas não a vontade de Deus no sentido de sua vontade preceptiva.

Agora, qual delas é intencionada quando João escreve: “se pedirmos alguma coisa segundo a sua vontade, ele nos ouve”? (1Jo 5.14).

As pessoas nascidas de novo pecam?

A resposta é encontrada enquanto continuamos lendo o texto, no versículo 16:

“Se alguém vir a seu irmão cometer pecado não para morte, pedirá, e Deus lhe dará vida, aos que não pecam para morte. Há pecado para morte, e por esse não digo que rogue”.

Essa preocupação a respeito do “pecado para morte” e “pecado não para morte” faz parte da preocupação maior de João nesta carta. Do começo ao fim, João está preocupado em se proteger contra dois erros opostos: (1) tratar levianamente o pecado em curso e (2) causar desespero já que, se um crente pecar, ele estará perdido. Ambos são erros.

Parece que algumas pessoas da comunidade de João pensam que você pode continuar pecando e ainda nascer de novo. Outros parecem pensar que, se você nasceu de novo, não tem nenhum pecado em sua vida. Para o primeiro grupo, João diz: “Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática de pecado” (1Jo 3.9). Para o segundo grupo, ele diz: “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos” (1Jo 1.8). Em outras palavras, os cristãos pecam, mas os cristãos não permanecem na prática do pecado. As pessoas nascidas de novo confessam seus pecados como abomináveis (1Jo 1.9) e fazem guerra contra suas tentações (Rm 8.13).

Pecado para morte

Portanto, quando chegamos a 1 João 5.16 e lemos sobre dois tipos de pecados, não devemos nos surpreender. Um tipo “é para morte”. E o outro tipo “é não para a morte”. João não está se referindo a um pecado em particular. Mas, a que, então, ele está se referindo quando diz: “existe pecado [não um pecado] para morte”?

O versículo 18 dá a pista. Logo após dizer: “Há pecado para morte” (v. 16) e “há pecado não para morte” (v. 17), João diz:

“Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não vive em pecado; antes, Aquele que nasceu de Deus o guarda, e o Maligno não lhe toca.” (1Jo 5.18).

Portanto, o pecado que não leva à morte é o pecado daqueles que “nasceram de Deus”, mas cujo pecado é retido por Jesus. Jesus protege e sustenta os seus. Ele retém o pecado deles. Ele não os torna perfeitos nesta vida. Mas ele também não os abandona ao poder do pecado. Ele os protege. E o maligno não os toca no sentido de trazê-los à ruína.

Isso implica, então, que “o pecado para morte” é o pecado daqueles que não nasceram de Deus. O pecado deles não é retido por Jesus. De fato, eles não são verdadeiros crentes. Eles podem fazer parte da igreja por um tempo, mas dão lugar a padrões pecaminosos e desaparecem. João os descreve em 1 João 2.19:

“Eles saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos”.

A razão pela qual digo que eles não são verdadeiros crentes é que João diz: “Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo é nascido de Deus” (1Jo 5.1). Em outras palavras, a fé salvadora é um sinal de que alguém nasceu de Deus, e acabamos de ver em 5.18 que aqueles que nasceram de Deus são guardados por Jesus. Ele não os deixa permanecer pecando – isto é, ele os impede de cometer “pecado para morte”.

Portanto, o que posso concluir de 1 João 5.8, e do contexto mais amplo de 1 João, é que “o pecado para morte” não é um pecado específico, mas um padrão de pecado desenfreado que leva alguém a se afastar de Cristo mostrando que nunca nasceu de novo (1Jo 2.19; 5.1,18). Portanto, ele “é para morte”, no sentido de que leva à destruição. À ruína final. Ao inferno.

“Por esse não digo que rogue”

Agora, estamos em posição de voltar e ver como o versículo 16 (“Há pecado para morte, e por esse não digo que rogue”), lança luz sobre o significado do versículo 14 (“se pedirmos alguma coisa segundo a sua vontade, ele nos ouve”). Esse versículo se refere à vontade decretiva de Deus ou à sua vontade preceptiva?

Para responder a isso, devemos perguntar por que João escreve: “por esse [pecado para morte] não digo que rogue”. A razão é que não faz sentido. A oração seria por arrependimento, perdão e vida (como no v. 16a). Mas João deixou claro que esse pecado leva à morte. Não haverá vida. Esse é o objetivo de dizer que há pecado para morte. Se alguém pudesse orar com sucesso pela vida, o pecado não seria o pecado para morte.

Agora, aqui está a implicação para o significado de orar “segundo a sua [de Deus] vontade”. É claramente a vontade preceptiva de Deus que oremos pelos pecadores para que se arrependam e sejam salvos. Paulo disse: “Irmãos, a boa vontade do meu coração e a minha súplica a Deus a favor deles são para que sejam salvos.” (Rm 10.1) – incluindo aquele que é “anátema, separado de Cristo” (Rm 9.3). E ele orou pelos crentes, para que eles fossem “conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.” (1Ts 5.23).

Então, se é “segundo a sua [de Deus] vontade” que oremos pelas pessoas desviadas, por que João diz: “por esse [pecado para morte] não digo que rogue”? A resposta é porque Deus não pretende salvá-los. Eles cruzaram a linha. São como Esaú em Hebreus 12.17, que pecou de tal maneira que ele não podia se arrepender e encontrar perdão.

Em outras palavras, não é a vontade de Deus salvar aqueles que pecaram o “pecado para morte”. Ele não lhes concederá arrependimento. Sua vontade decretiva é deixá-los ir. Nenhuma oração vai mudar isso.

De acordo com a vontade decretiva

Mas por que João diz diretamente: “por esse não digo que rogue”, em vez de dizer: “Não digo que se deva orar por esse”? É porque ele não assume que sempre podemos saber quem são essas pessoas. Mandar-nos não orar por eles implicaria que sempre podemos reconhecê-los. Mas não podemos. Nem sempre podemos dizer quando alguém pecou a ponto de estar além do arrependimento. Então, João apenas diz que orar por eles seria ineficaz. A vontade de Deus é deixá-los ir. “Não digo que se deva orar por esse”.

O que significa que, se você pedir por arrependimento e perdão, não o receberá.

Mas os versículos 14-15 dizem: “se pedirmos alguma coisa segundo a sua vontade, ele nos ouve”. Portanto, não entendo “segundo a sua vontade” como “segundo a sua vontade [preceptiva]”, porque, como vimos, é de acordo com a vontade preceptiva dele que devemos sempre orar por santos desviados e incrédulos. Em vez disso, entendo “segundo a sua vontade no versículo 14 como “segundo a sua vontade [decretiva]”, porque o versículo 16 mostra que Deus decretou não salvar essas pessoas. Portanto, você não precisa orar por eles e, se o fizer, não receberá o que pede. Não está de acordo com a vontade decretiva de Deus.

Portanto, quando João diz: “se pedirmos alguma coisa segundo a sua vontade, ele nos ouve” (1Jo 5.14), ele quer dizer: “Se pedirmos algo que esteja de acordo com o plano onisciente de Deus – seus oniscientes decretos para o mundo – ele nos ouve e concede o nosso pedido”.

Isso não torna a oração inútil

Uma resposta comum a essa conclusão é que ela parece tornar a oração inútil, porque a oração respondida ocorre somente quando Deus decretou que algo seria feito. O evento decretado não aconteceria de qualquer maneira? Então, por que orar?

Mas esse tipo de resposta não vem de cuidadoso pensamento bíblico. Pensamentos cuidadosos veriam que Deus realmente faz as coisas em resposta à oração. “Nada tendes, porque não pedis;” (Tg 4.2). Deus deseja que os eventos sejam causados pela oração. E um cuidadoso pensamento bíblico também veria que, assim como Deus decreta os efeitos, ele também decreta as causas desses efeitos. Como ele decreta os fins, ele também decreta os meios. Como ele decreta que um santo perdido se arrependa e volte, ele decreta as orações que o trazem de volta.

A oração é uma causa real de eventos reais neste mundo. Deus quis que fosse assim. E assim é.

“Porque fazemos o que lhe é agradável”

Agora, e a nossa terceira pergunta? O que “aquilo” significa em 1 João 3.22, quando diz: “aquilo que pedimos dele recebemos, porque guardamos os seus mandamentos e fazemos diante dele o que lhe é agradável”? A resposta está ligada ao que vimos.

Uma condição diferente é estabelecida para a oração respondida aqui em 3.22 em relação ao previsto em 5.14. A condição era que a resposta à oração chegará, se orarmos de acordo com a vontade de Deus – de acordo com o plano onisciente de Deus, com sua vontade decretiva. Aqui a condição é que a resposta à oração venha se “guardamos os seus mandamentos e fazemos diante dele o que lhe é agradável”.

Como essas duas condições andam juntas?

O que agrada a Deus é a submissão alegre à sua soberania

Aqui está minha sugestão. A condição de 3.22 inclui a condição de 5.14. Ou seja, fazer o que agrada a Deus inclui submeter-se consciente e alegremente à vontade decretiva de Deus. Este decreto será sempre a resposta mais sábia e amorosa às nossas orações.

João diz que tudo o que pedimos receberemos, se “fazemos diante dele [Deus] o que lhe é agradável”. Quando se trata especificamente de oração, pelo menos estas três coisas:

  1. De acordo com 1 Pedro 5.6, é agradável a Deus que sejamos humildes diante dele: “Humilhai-vos, portanto, sob a poderosa mão de Deus” Por isso, agrada a Deus admitirmos, de bom grado, que não somos Deus. Não estamos em condições de governar o mundo ou de tirar as rédeas do universo das mãos de Deus.
  2. De acordo com Tiago 3.2, “todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça no falar, é perfeito varão”. Agrada a Deus que admitamos isso. E as palavras “no falar” incluem “o que ele falar em oração”. Não nos tornamos, de repente, perfeitos quando oramos. Somos finitos e falíveis. Nós cometemos erros. Deus fica satisfeito quando seu povo admite isso.
  3. De acordo com Tiago 4.15, os cristãos deveriam dizer: “Se o Senhor quiser, não só viveremos, como também faremos isto ou aquilo”. Devemos dizer isso. Ou seja, é agradável a Deus, quando realmente dizemos (em oração!): “Se o Senhor quiser, não só viveremos, como também faremos isto ou aquilo”.

Dessas três descrições bíblicas, do que agrada a Deus quando oramos, parece-me que a condição que devemos cumprir, de acordo com 1 João 3.22, para recebermos aquilo pelo que oramos, inclui a condição que devemos cumprir em 1 João 5.14. A condição é a seguinte: “se pedirmos alguma coisa segundo a sua vontade, [decretiva] ele nos ouve”. Estou sugerindo que implícita nessa condição está a disposição agradável a Deus de abraçar as respostas decretadas por Deus com confiança de que elas são as melhores. Em outras palavras, o que agrada a Deus é uma mente humilde que confessa nossa finitude e falibilidade e diz: “Se o Senhor quiser, as pessoas pelas quais oramos não somente viverão, como também farão isto ou aquilo”.

O que é melhor para nós

Qual é, então, a resposta para a nossa terceira pergunta – O que “aquilo” significa em 1 João 3.22, quando diz: “aquilo que pedimos dele recebemos, porque guardamos os seus mandamentos e fazemos diante dele o que lhe é agradável”?

O significado de “aquilo” é moldado pelo plano onisciente, abrangente e amoroso de Deus para o bem de seus filhos e a glória de seu nome. Por “moldado”, quero dizer limitado ou expandido, adiantado ou atrasado, purificado e completo, mas nunca ignorado. Se pedirmos pão, ele não nos dará uma pedra, mas pode nos dar bolo, pão de milho ou óleo de fígado de bacalhau. Se pedirmos um peixe, ele não nos dará uma cobra, mas pode nos dar bife, ensopado ou lutefisk (Mt 7.9-11).

Ele é nosso pai. Seus recursos são infinitos. Seu amor é perfeito. Sua sabedoria é insondável. Ele nunca está em prejuízo. Portanto, ele só nos dará o que é bom para nós (Rm 8.28,32; Mt 6.33). É isso que penso que seja o que “aquilo”, em 1 João 3.22, significa.

Portanto, seja encorajado a orar. Decida agradar ao Senhor com toda humildade, admitindo sua falibilidade e submetendo-se ao plano perfeito e a seus decretos oniscientes. Ele decretou milhões de coisas para fazer em resposta à oração. Nossas orações são verdadeiras causas dos eventos que Deus planejou – assim como acionar um interruptor de luz é a verdadeira causa de ter luz na sala, abrir a torneira é a verdadeira causa de termos água na pia, ou manusear um martelo é a verdadeira causa real de uma unha afundada. É absolutamente verdade que “Nada temos, porque não pedimos” (Tg 4.2). Então peça. Mantenha a palavra de Deus. Faça o que lhe agrada. E peça.

Claro que existem coisas que ele não fará. Esse foi o ponto de 1 João 5.16. Ele não nos proíbe de orar por eles, porque nem sempre podemos saber o que são. Mas ele nos diz que apenas seus sábios decretos serão cumpridos. E ele nos chama para agradá-lo, sendo humildemente submissos à sua soberania no que ele faz acontecer. Portanto, sempre vale a pena orar. Sempre.

Fonte: Voltemos ao Evangelho


13 setembro 2020

Precisamos levar os liberais a sério


Em 2002 John MacArthur pregou uma mensagem na qual disse que o maior problema da Igreja era não saber e não querer distinguir entre um cristão verdadeiro e um falso. Concordo com ele. Todo mundo se considera cristão. Mórmons, Testemunhas de Jeová, espíritas, católico-romanos, liberais, fundamentalistas, ortodoxos e por ai vai. A não ser que sejamos universalistas e reduzamos o Cristianismo à definição de Schleiermacher (“religião é simplesmente a consciência da dependência de Deus”), temos que admitir que nem todos que se dizem cristãos de fato o são.

Uma das obras mais importantes produzidas no calor do debate entre fundamentalistas e liberais no início do séc. XX foi Cristianismo e Liberalismo de J. Gresham Machen (já publicada em português), provavelmente o mais preparado exegeta da frente conservadora na época. A tese de Machen era que a religião resultante do liberalismo simplesmente não era Cristianismo. Criam noutro Deus, usavam outra Bíblia, seguiam outro Cristo e pregavam outro Evangelho.

Machen estava absolutamente correto, mas não foi ouvido. O “meião” das principais denominações pensava que o liberalismo era apenas mais uma corrente da já fragmentada ala protestante do cristianismo. Pensavam que o confronto entre conservadores e liberais era intramuros, duas legítimas facções cristãs duelando por espaço. Hoje, contudo, fica cada vez mais claro que esse confronto ultrapassa os limites do cristianismo. É um conflito de religiões.

Não me entendam mal. Não estou dizendo que todos os liberais vão para o inferno e nem que todos os conservadores vão para o céu. Estou apenas dizendo que aquilo em que o liberalismo teológico acredita é completamente distinto daquilo que o Cristianismo acredita. Já estou vendo gente levantando a mão e dizendo que os liberais é que se consideram o Cristianismo. Eu respondo que não dá, pois eles ainda não chegaram a um acordo sobre quais estórias e ditos de Jesus nos Evangelhos são verdadeiros ou não e, portanto, não podem dizer se o que crêem é Cristianismo ou não.

Temos que levar os liberais a sério e entender muito bem aquilo em que acreditam. Para eles, a verdade evolui, cresce e muda. E não somente ela, mas nosso entendimento da mesma evolui a ponto de certezas anteriores poderem ser substituídas por novas e contraditórias verdades. Assim, as crenças de ontem não servem para hoje. Liberais realmente acreditam que a fé professada pela Igreja Cristã durante dois mil anos está equivocada e ultrapassada, no todo ou em parte. Acreditam sinceramente que é preciso reinventar a Igreja, refazer a teologia dos pés à cabeça, reformular os antigos credos, criar novas formas litúrgicas e adotar novas posturas em relação à ciência, a cultura e as outras religiões. E desse ponto de vista, os maiores inimigos da verdade são os conservadores, os fechados, obtusos, intransigentes e fundamentalistas que se entrincheiraram nas denominações e seminários e teimam em conservar antigas crenças.

O que o liberalismo propõe não é um remendo do Cristianismo. É uma substituição.

Senão, vejamos. O liberalismo teológico crê que a Trindade e a divindade de Jesus Cristo são frutos da invasão da filosofia grega na teologia cristã nascente, que Deus não se revelou de forma proposicional, que talvez ele seja imanente e não mais transcendente, que a Bíblia é apenas o testemunho escrito (e falível) da fé de Israel e da Igreja primitiva, que Paulo deturpou o cristianismo simples de Jesus e dos Doze apóstolos e inventou a doutrina da justificação pela fé em Cristo. Paulo também inventou que Jesus morreu pelos nossos pecados e ressuscitou fisicamente de entre os mortos. Acreditam que no momento em que a Igreja Cristã começou a elaborar credos e confissões ela se desviou do cristianismo simples do Jesus histórico e nos deu um Cristo da fé, processo que já teria começado com os apóstolos, especialmente Paulo. Acreditam que a Igreja Cristã se perdeu completamente na interpretação da Bíblia através dos séculos e que somente com o advento do Iluminismo, do racionalismo e das filosofias resultantes é que se começou a analisar criticamente a Bíblia e a teologia cristã, expurgando-as dos alegados mitos, fábulas, lendas, acréscimos, como os mitos da criação e do dilúvio, personagens inventados como Adão e Moisés, etc.

Ainda que nem todos os pontos acima sejam professados por todos os liberais, eles expressam razoavelmente o que o liberalismo em geral acredita. E como se pode ver, liberalismo não é Cristianismo, apesar de usar sua forma e linguagem.

Os liberais acreditam que sua missão é permanecer nas igrejas e seminários e lutar por mudanças. Eles têm uma missão, um sonho, um ideal. O messianismo liberal tem como alvo iluminar os ignorantes presos nas trevas da tradição e libertar a Igreja dos obtusos, obscurantistas e inimigos do progresso da verdade. Lutarão até o fim para isso. Não se sentem compelidos a sair de suas denominações. Acham legítimo usar os recursos delas nessa cruzada santa. Até porque, como já disse em outro post, não têm outra forma de suporte ou sustento.

Muitos evangélicos de hoje não conseguem ver a diferença entre liberalismo e Cristianismo. A razão, em parte, é que os liberais continuam a usar as estruturas eclesiásticas tradicionais e o vocabulário cristão tradicional, embora com outro sentido. Outra razão é a falta de convicções doutrinárias do evangelicalismo brasileiro, minada pelo pragmatismo e relativismo de nossa época.

Precisamos levar os liberais a sério. Isso significa reconhecer claramente o grande abismo que separa o que eles crêem do Cristianismo.